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Artigo de Opinião

8/10/2024 08:00

Como eu não cresci com a febre do futebol, nunca fui daqueles meninos que corria para o campo da escola com a bola debaixo do braço. Lá jogava, de vez em quando e mal, quando não tinha mais com que ocupar o tempo de recreio. Não quer isto dizer que, aqui e ali, não presenciasse a real parábola do dono da bola.

Para quem não sabe, o dono da bola era o jovem que, sendo efectivamente dono do objecto lúdico, mal fosse mais enfaticamente contrariado ia-se embora com a bola no sovaco. Por vezes, o motivo do amuo era ter de ficar de fora, por estarem a jogar à vez e seria aquela a vez da sua equipa ficar de fora. Outras vezes seria porque achava que o espirro do defesa teria sido suficiente para marcar grande penalidade, e que tinha, forçosamente, de ser ele a cobrar. No fundo, por ser dono da bola achava-se dono do jogo.

Hoje, na posição de mero espectador dos jogos da aprovação do Orçamento de Estado, tenho a impressão de voltar a ver o menino da bola a amuar e a ameaçar que leva a bola para casa se não o deixarem continuar a jogar.

Temos que admitir, em primeiro lugar, que vivemos num país em que a mediocridade é a meta a atingir. Ser excepcional só é exigido àqueles que se destacam no desporto, nas artes e pouco mais. E aí a exigência é hiperbólica: não basta ir aos Jogos Olímpicos, é preciso trazer medalhas. Tudo o resto é falhanço. Já no dia-a-dia mais comum, por assim dizer, ser um bocadinho acima da média em termos de eficácia, esforço, ou inovação é visto como pecadilho. Ser mais do que um bocadinho acima da média, então, é merecer a condenação eterna num qualquer inferno, mais ou menos terreno. Neste país, com esta ambição de mediocridade, também à classe política se exigem apenas os mínimos, já que o extraordinário é castigado, seja pelos maledicentes da inveja social, seja pela ávida máquina fiscal, seja pelos que votam para manter o seu subsídio ou salário público. Os eleitores exigem apenas que não se exija, que não se mude nada a não ser que seja para aumentar a dependência de tudo e todos em relação ao Estado. É preciso baixar a despesa e a dívida do Estado? Cá nada! É preciso é subir os impostos a quem se atreve a ser mais do que medíocre e, quanto à dívida, diz-se que os banqueiros alemães até costumam tremer das pernas com a perspectiva de falta de pagamento.

Mas a verdade é que os eleitores votaram mal, os malandros. Votaram na penalização dos que se imaginam, desde há demasiados anos, donos da bola. São donos do erário público, no fundo, e têm clientelas a satisfazer. Têm que fazer circular dinheiro do erário público por certos círculos a quem devem apoios políticos, financiamento partidário e votos sectoriais. Acima de tudo têm de dirigir a economia uma vez que só eles sabem como levantar o país da cepa torta — e sabem-no desde, pelo menos, o último quartel do século XX. Os eleitores votaram mal, dizia, e agora o menino tem de se sentar no banco à espera da sua vez de voltar a jogar. Mas, como o menino acha que a bola é dele, ameaça levá-la para casa se não continuar dono do jogo.

O problema é que a bola é o dinheiro e as vidas de todos nós. Não é nem do menino que sai, nem do menino que entra. O menino quer continuar a mandar no jogo, seguindo a centenária máxima do “ou nós governamos, ou ninguém governa”, nem que para isso seja preciso levar a bola para casa, ou seja, deitar fogo ao regime e manter tudo ingovernável.

Assim não vamos lá. Nem vale a pena apontar dedos — “tu é que és!”. Olhemo-nos antes ao espelho.

OPINIÃO EM DESTAQUE
Coordenadora do Centro de Estudos de Bioética – Pólo Madeira
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