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Artigo de Opinião

Comunicação - Assuntos da UE

29/10/2025 08:00

Trabalho em comunicação e redes sociais, a tentar traduzir ideias e políticas em mensagens que cheguem às pessoas. Passo os dias a pensar em conteúdo, alcance, interação. O digital é parte do meu trabalho e, ao mesmo tempo, aquilo de que mais preciso de me afastar. Porque nunca estivemos tão conectados e, ao mesmo tempo, tão cansados.

Vivemos num tempo em que o valor de uma ideia parece depender da rapidez com que é publicada. Cada emoção é uma ‘story’, cada pensamento um ‘post’ à espera de validação. O ruído é constante e o silêncio, quase suspeito. Num mundo que recompensa quem fala mais alto, escolher não reagir é quase um ato de rebeldia.

As redes deram voz a todos, mas também nos roubaram a capacidade de escuta. A pausa tornou-se rara e lógica é simples: “partilha agora, pensa depois”. As redes sociais foram desenhadas para nos manter ocupados, não conscientes. E quanto mais tempo passamos nelas, mais esquecemos que a atenção é um recurso finito... Talvez o mais precioso que temos.

A cultura da disponibilidade total só agravou isto. Já não basta estar ‘online’; é preciso estar acessível. O relógio vibra, o anel mede a qualidade do sono, o telemóvel brilha com notificações que exigem resposta. Vivemos rodeados de tecnologia que nos chama e nos lembra que há sempre algo por fazer. Demorar a responder é quase uma ofensa. Estar ausente, uma espécie de luxo.

E há ainda a nova regra não escrita: se não se posta, não aconteceu. A viagem, o jantar, o pôr do sol. Como se tudo tivesse de ter de prova pública. Passámos a viver para mostrar, não apenas para sentir. Guardamos as memórias no ‘feed’, não na cabeça. E eu, que passo o dia a comunicar, percebo cada vez melhor o paradoxo: quanto mais falamos, menos espaço sobra para simplesmente estar.

Depois há o FOMO — o medo de ficar de fora. Aquela sensação quase infantil de que, se não estivermos a ver, a comentar ou a participar, estamos a perder algo importante. A ironia é que, na tentativa de não perder nada, acabamos a perder tempo e presença. O FOMO tornou-se o motor invisível das redes: faz-nos deslizar, clicar, atualizar. E no fim, em vez de conexão, ficamos com um vazio difícil de nomear.

Cada vez sinto mais uma vontade crescente de estar fora. De não documentar tudo, de não reagir a tudo, de não ter opinião imediata sobre cada tema que invade o ecrã. E isso não é desinteresse, é preservação. O silêncio, descobri, não é vazio: é espaço. É o lugar onde as ideias voltam a respirar e onde a vida deixa de parecer um “conteúdo”.

Não é por acaso que começa a surgir uma tendência curiosa: pessoas a trocar os seus ‘smartphones’ por telemóveis simples, sem redes sociais, sem notificações, sem distrações. É quase um regresso à era pré-digital, uma tentativa de recuperar a calma, o foco e a privacidade. Um “dumbphone” não é apenas um objeto nostálgico; é um símbolo de cansaço coletivo. As pessoas estão a perceber que a hiperconectividade não trouxe mais liberdade, apenas mais ansiedade.

Há valor em observar sem comentar, em escutar sem publicar, em simplesmente não saber o que dizer. A pressa de opinar sobre tudo só gera ruído. E o ruído é inimigo da clareza. O algoritmo não quer reflexão, quer velocidade. Mas a profundidade não cabe num tweet, nem a lucidez sobrevive a notificações constantes.

O silêncio digital não é desistência. É uma forma de higiene mental e de desligar o corpo do ruído para voltar a ouvir o que realmente importa. É, talvez, a nossa última forma de liberdade num mundo onde tudo quer a nossa atenção.

Talvez o futuro da comunicação não esteja em falar mais, mas em pausar melhor. Talvez a revolução seja esta: recuperar o direito de não reagir, de não responder, de simplesmente estar. Porque quando todos gritam, o verdadeiro gesto de coragem é escolher o silêncio.

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