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Artigo de Opinião

ÀS VEZES VOO. ÀS VEZES CAIO

Jornalista

10/04/2022 08:00

Tu sabes que, daqui, alcanço o último osso do vento que interrompe a noite, ainda que não digas o nome profundo das coisas que cremos habitar. Olha-me por aqui, num lugar onde eu não sou sem a língua da tua mão, sem os olhos que vêm salvar-me à luz de uma outra escuridão. Ainda minha, por fim minha.

Adormeço tantas vezes durante mais um dia, nesse dia em que a pele me iça à altura dos teus cabelos para que o chão não mais regresse às chagas dos meus pés. O frio aperta a minha garganta, instaura a incerteza dos vivos por cima do peso da morte, e eu entro na tua boca até voltar para casa. O teu corpo reconhece o meu, é perfeitamente capaz de gemer a dúvida para dentro da minha cabeça antes que o mar se levante; e é por isso que o meu corpo resiste ao pó e ao dia, é também por isso que não hei-de nunca morrer depois de ti. Quem senão tu, poderia levar a minha mão a atravessar a morte? Quem senão tu, poderia soprar o frio para fora dos meus ombros e abater as silvas do meu peito? Ninguém senão tu, saberá pelo nome esta brandura incrustada no meu corpo, ou a tua boca abatida fechando-me os olhos - ainda - como dantes.

Procura a sombra em todos os lugares onde foste o meu corpo, a mão inteira sobre um coração nascente que volta, agora, a parar. Creio nesta vida sepultada sobre a morte, creio no calor da tua mão que sobrevive para que eu possa adormecer sem a desolação do medo e esquecer que, afinal, nunca existi até teres pousado no meu peito o sal da tua coragem. Direi, é desnecessário o amor que não pousa, ou a aproximação da mão que não nasce para salvar a boca sobre a luz dos ombros. No fim, seremos sempre um escombro que não sabemos já como reprimir, do alto das flores que não bebemos ao último negrume da terra, à primeira vértebra de um sono antigo, quando respirar era um movimento divino adivinhando o breve corpo dos homens.

Eis-me aqui. Respiro, agora, invisivelmente à varanda donde me não deixas cair. É do teu corpo de carne e pedra que refaço todas as distâncias que de mim morreram antes do descampado em que se tornou um fim antecessor, porque és tu o único espelho onde me vi nua.

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