Por um instante julguei reconhecer o tempo abatido sobre o meu corpo. Pude, no espaço de uma fresta muito íngreme, desejar o vapor de uma veia arrefecida, ou o caule da flor que não chegou a ser. Entrei em casa com a aflição das mães que se acometem do terror de desaparecer, sabendo que um filho as espera ainda. Envelhecemos para sempre, sob a escuridão ou a claridade. Há que levar as mãos ao rosto e forçar todos os dedos contra a luz principal dos olhos. É preciso recusar a beleza dentro da boca e escutar todas as fúrias que o tempo vai amortecendo até que o fim desinstale o corpo. Será isto o meu corpo? Haverá pele que baste para cobrir um coração, para arrastar o músculo pela poalha dos ossos? Quanto tempo? Como aceitar que a juventude teve uma última vez sem que a reconhecêssemos?
Implacáveis são os dias e as suas horas remendadas por uma fé que se esvai acima da clavícula. Minúscula. Talvez uma punição que conta apenas com o respaldo dos homens. Que importância devemos atribuir ao tempo no dia em que somos velhos e as mãos perdem a força para mergulhar na carne, quando o vento não nos assola já como no princípio? Será mesmo preciso saber?
Observa, o templo não é já o corpo nem o corpo se curva para recusar o sono. Nem a água nos cobre como antes. Nunca mais.
E, surpreendentemente, se observares, tudo é profundo e silencioso, como a ilha que começa onde a ferida ficou por abrir. Uma desordem inquebrantável a estancar por dentro o conserto dos dias. Tudo brilha no intervalo dos nervos, na melancolia da pele por entre os recessos da mão pousada sobre o espelho, como se a queimadura dessa réplica pudesse transformar o último desejo, uma flecha sem alvo procurando a rama na sombra dos escombros.
É, então, tudo violentamente límpido e vago, porque o corpo ainda morre onde viver não basta. E a voz faz-se imponência no leito de um ombro, no suor iminente que a árvore rejeita, para que a sede se não cumpra antes da sombra divinal. Também o relâmpago amadurece quando debruçado sobre a camélia esgotada que o vazio não pôde, por fim, reter.
Não temas que o corpo se apoquente antes da queda. Não antecipes nem a dúvida nem a coragem. Não haverá tempo. A mágoa instaura um novo centro no corpo, uma língua incandescente - magnífica - um hausto que havemos de intuir quando a matéria se parte e encontramos Deus no côncavo de uma mão.
Envelhecemos para sempre, sob a escuridão ou a claridade. Há que levar as mãos ao rosto e forçar todos os dedos contra a luz principal dos olhos. É preciso recusar a beleza dentro da boca e escutar todas as fúrias que o tempo vai amortecendo até que o fim desinstale o corpo.