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Artigo de Opinião

15/01/2025 08:00

A crise habitacional em Portugal não é um fenómeno recente. Muito antes do 25 de abril de 1974, o país já enfrentava dificuldades significativas no acesso à habitação condigna. A urbanização acelerada das décadas de 1960 e 1970, impulsionada por migrações internas, criou bairros periféricos sem planeamento adequado e agravou os problemas habitacionais nos centros urbanos. Apesar dos esforços legislativos e das políticas públicas nas décadas seguintes, a questão persiste e tem-se agravado nas últimas décadas devido à pressão do mercado imobiliário e à crescente procura habitacional.

Neste contexto, o Decreto-Lei n.º 117/2024 surge como uma tentativa de dar resposta a este problema histórico. Ao flexibilizar a reclassificação de solos rústicos para urbanos, procura aumentar a oferta habitacional e promover o acesso à habitação a preços acessíveis. Contudo, esta medida coloca uma enorme pressão sobre os municípios, que terão de assegurar que esta expansão não se limite a resolver necessidades imediatas, mas que seja sustentável e equilibrada.

A história recente do ordenamento urbano em Portugal ensina-nos que focar apenas na expansão da área construída pode gerar consequências desastrosas. A urbanização desordenada compromete a qualidade de vida, sobrecarrega as infraestruturas e degrada os espaços naturais. Além disso, sem a criação de espaços públicos com qualidade – como jardins, parques e áreas de convivência – as cidades tornam-se densamente populadas, mas social e ecologicamente pobres. Este modelo de crescimento, que ignora a necessidade de um planeamento integrado a longo prazo, já provou ser ineficaz.

Os municípios, como principais responsáveis pela aplicação desta legislação, enfrentam agora um duplo desafio. Por um lado, precisam de identificar solos passíveis de reclassificação. Por outro, devem garantir que estas novas áreas urbanas sejam desenvolvidas com critérios de qualidade, respeitando princípios de sustentabilidade e integração social. Não basta construir casas; é necessário criar comunidades, onde o espaço público, os equipamentos sociais e as infraestruturas de transporte desempenhem um papel central.

Paralelamente, é imperativo que o principal debate sobre habitação vá além da construção de novas áreas urbanas. O parque habitacional existente, muitas vezes subutilizado ou degradado, representa uma oportunidade crucial para enfrentar a crise habitacional sem sacrificar solos agrícolas ou áreas naturais. A reabilitação urbana é uma alternativa que promove a sustentabilidade, evita a fragmentação do território e revitaliza zonas já urbanizadas. Falta apenas que esta tão necessária reabilitação urbana se faça para fins habitacionais.

A crise habitacional, como problema estrutural, exige soluções que vão além do imediato. O Decreto-Lei n.º 117/2024 pode representar um avanço, mas apenas se for encarado como o último recurso e for acompanhado de uma estratégia que priorize a qualidade das vivências urbanas e do espaço público. Sem esta visão de longo prazo, corremos o risco de criar novas áreas urbanas que, dentro de poucas décadas, estarão obsoletas ou insustentáveis.

Este desafio não é novo, mas o momento atual exige decisões informadas e responsáveis. Resolver a crise habitacional é uma obrigação urgente, mas fazê-lo de forma ética e sustentável é um dever para com as gerações futuras. Que este decreto seja uma oportunidade para avançar com inteligência e cautela, e não seja mais um capítulo de erros históricos que o país já conhece bem.

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