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Artigo de Opinião

Investigador na área da Educação

8/02/2021 08:00

Mas, têm outro papel nas sociedades modernas. O sociólogo alemão Georg Simmel sublinhou-o em 1896: "A classe média traz um elemento sociológico completamente novo. Não é apenas uma terceira classe acrescentada a duas outras e que só delas se diferencia em termos de nível, como as outras se diferenciam entre si. O que realmente tem de original é o facto de ser ela a fazer as contínuas trocas com as outras duas categorias e que estas perpétuas flutuações apagam as fronteiras e substituem-nas por transições perfeitamente contínuas." São, portanto, o "corredor" da mobilidade social, pelo qual "os indivíduos podem circular entre o topo e a base da escala".

Sociólogos e economistas utilizam critérios diferentes para descrever e medir as "classes médias". Simplificando, elas são a síntese das profissões intermédias. O critério da profissão engloba a posição ocupada no sistema produtivo, um dado nível de qualificação ou diploma e remete para dois outros critérios: o rendimento (critério económico) e o modo de vida, valores, etc. (critério sociológico).

Na realidade, a maioria dos estudos, nestas áreas, acaba privilegiando o critério económico (o rendimento). Este, acaba sendo mais prático. Parte-se da mediana do rendimento. Por exemplo, nos anos 1960, o economista Lester Thurow incluía na "classe média" os que tinham um rendimento entre os 75% e os 125% da mediana. A estatística americana distribui os rendimentos por cinco níveis, cada um de 20%, com a classe baixa na base, a rica no topo, e três escalões intermédios.

Não sendo, de todo, surpreendente, à medida que vão sendo divulgados dados económicos oficiais, confirmam-se, na prática, as piores previsões de muitos economistas de que a crise da pandemia irá ter como resultado um forte agravamento da desigualdade na distribuição de rendimento em Portugal.

Os dados mais recentes a serem disponibilizados são os que resultam do inquérito ao emprego realizado pelo INE. Ali, é possível verificar que foi nas profissões com os salários médios mais baixos que os trabalhadores ficaram, durante a pandemia, mais sujeitos a perder o emprego, o que potencialmente conduz a salários ainda mais baixos.

A convicção empírica de que as "classes médias" estão à deriva e o "elevador social" deixou de funcionar cada vez mais parece ter sentido.

Por outro lado, não deixa de alinhar também, o facto de o aumento da escolaridade contribuir para a descida considerável da posição relativa dos trabalhadores com ensino secundário ao longo do tempo. Concomitantemente, a proporção de trabalhadores com ensino superior passou (e bem!) de 8% em 1986 para 30% em 2006 e são estes que tendem a ocupar os lugares cimeiros na distribuição salarial, deixando para trás os que não foram além do secundário.

Temos, pois, cada vez mais, assim, a nossa sociedade como fortemente dualizada. É um facto. Contrariar esta dualização, com reflexos na Educação, deve continuar a ser uma prioridade. Mas, este desígnio não pode unicamente ser pedido ao sistema educativo, antes se recomenda a mobilização de vários setores da sociedade aos mais diversos níveis. Talvez, como nunca, se exija às autoridades que governam uma ação pública ativa, que corrija e promova um claro reajustamento das diferenças sociais não deixando ninguém para trás.

Retomar aquilo que vinha sendo uma trajetória de recuperação salarial, no sentido de valorizar uma "classe média" e com isto esbater o "fosso" entre ricos e pobres será fundamental.

Não o fazer, seja por impotência, ou impossibilidade, de tomar alternativas de políticas públicas, numa crise que apanhou todos de surpresa, poderá conduzir a conflitos sociais (alguns já latentes), com consequências que, infelizmente, já vamos assistindo noutros países, mesmo na "velha" europa.

Eduardo Alves escreve
à segunda-feira, de 4 em 4 semanas

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