Quem tem filhos sabe o que significa isto. Este ano, estudo novamente o 5º ano, mas já estudei as outras classes todas. Brevemente, com o meu filho mais novo, voltarei ao ponto de partida - estarei, assim, a fazer o 1º e o 6º ano, assim espero.
A autonomia das crianças perdeu-se, e a culpa, em boa verdade, é também nossa, dos pais, mea culpa faço. O lado bom é que releio obras que há muito tinha esquecido na minha memória, lembrava-me do título, mas já não me recordava da história em si.
Fazendo o programa do 5º ano, eis que releio em algumas horas a Fada Oriana de Sophia de Mello Breyner Andresen, todos nós nos recordámos do título, mas e a história? Fala de quê?
Pois é... Porque será que se precisa de disciplinas como cidadania, quando se pode aprender o que é o amor, o ódio, o prazer, a angústia, a tolerância, a compaixão e todos os sentimentos estão nas páginas de livros em narrativas que nos oferecem uma realidade alternativa em forma de ficção. Afinal, a nossa própria vida, como nos livros de ficção, é uma das versões possíveis e que se foi escrevendo nos encontros e desencontros do tempo.
Mas voltemos à Fada Oriana. Para quem não se recorda, acho que, mais do que se recordar, pode já ter vivido, ou vivencia a experiência da Fada Oriana.
A Fada Oriana foi tentada pelas andorinhas, mas não cedeu em deixar a sua promessa de cuidar da floresta. A Fada tinha de cuidar de um antepassado, a Velha, que foi linda e viveu esplendorosamente, mas agora até as crianças atiravam pedras. A Fada também tinha de lidar com o lenhador, que era muito pobre, mas que reconhecia a importância da Fada Oriana. Por outro lado, ajudava o moleiro, que era ingrato e injusto com ela. Enfrenta o Homem Muito Rico, símbolo da ganância e da indiferença, e escuta o Poeta, o único que ainda entende o bem do mundo. Por fim, salva Peixe, a que a tenta e a leva ao desvio: fá-la olhar para o reflexo das águas e apaixonar-se por si mesma. Oriana esquece-se da floresta, perde-se na vaidade e na ilusão do espelho.
O Peixe apenas desperta o que nela já existia — o narcisismo adormecido. Todos nós, de algum modo, já fomos essa fada que se distrai de quem precisa, ocupada com o próprio reflexo.
A questão é que o meio e a vaidade da própria Fada Oriana a corromperam, o que fez que ela ficasse apaixonada por sua beleza, começasse a se enfeitar e a fazer penteados para o novo amigo que era o Peixe. Na verdade, não queria saber do Peixe para nada, o Peixe só despertou ainda mais o seu sentimento narcisista. Aquele que sempre esteve nela, ela esqueceu-se de todos quem ajudava e dos animais que protegia dos caçadores. Todos nos apaixonamos por alguém e pela imagem que da pessoa amada tecemos.
Focou-se nela própria, olhava para o rio e esse rio refletia toda a sua beleza, e como se admirava, colocava arranjos para tudo, até procurou ajuda para ter pérolas, um encantamento! Até aquele dia... Em que chegou a Rainha das Fadas e retirou-lhe as asas e a varinha de condão, e Oriana caiu “na real” e descobre-se impotente e sozinha, percebendo que, embora Fada, se esquecera dos outros. A vida é assim: dá-nos e tira-nos na mesma medida, e demora o seu tempo a ensinar.
Como é óbvio, há Fadas Orianas por aí que acham que nunca terão qualquer consequência das suas ações, já que voam tão alto, tal e qual a Ícaro aproximam-se demasiado do sol. Alguns ainda terão o sabor de perder as asas e a varinha de condão.
A verdade é que a vida concede sempre mais uma oportunidade: a de reparar o que se fez e procurar a “Velha” que nos recorda o essencial — pensar menos em nós e mais nos outros.
Dizem os que sabem viver que a felicidade só chega quando percebemos que é o próximo quem nos abre o caminho — e que só o faz quando nos esquecemos de nós.