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Artigo de Opinião

5/12/2024 07:30

Antes das redes sociais na nossa casa e vida entrava apenas quem autorizávamos. Só víamos e éramos vistos por pessoas escolhidas por nós. Sem nos apercebermos, e em menos de meio século, numa dita “evolução”, tudo mudou.

Quando nasci, havia poucas televisões na zona onde vivia. A minha mãe contava que era comum os vizinhos juntarem-se para ver televisão nas casas que tinham TV a preto e branco. Quando fui para a faculdade, não havia telemóveis. Fiz trabalhos em máquinas de escrever no meu primeiro ano e, rapidamente, surgiram os computadores. Nasci numa época de televisões a preto e branco e, hoje, tenho um telemóvel que faz tudo. Esta mudança foi muito rápida.

Será que nos adaptámos bem a esta transformação tão veloz?

Há 40 anos, uma pré-adolescente comparava-se com os colegas da escola no que era visível: aspeto, roupa, inteligência. Hoje, uma pré-adolescente compara-se com o mundo: no aspeto, no que faz, no que come, na casa que tem, nas férias que faz e em tantas outras coisas. Num telemóvel é possível através das redes sociais acompanhar a vida de inúmeras pessoas, em todos os momentos do dia e a fazer de tudo. São raros os que falam das suas vulnerabilidades.

Quantas árvores de Natal vamos ver neste Natal? Hoje, abrimos a casa a todos e entramos na casa de todos sem realmente estar lá. A nossa regra parece ser: aparecer para ser. Mostramos e somos vistos de preferência perfeitos.

Recentemente, encontrei alguém que não via há muito tempo, mas já sabia algumas coisas sobre essa pessoa, e ela sobre mim, porque nos seguíamos mutuamente nas redes sociais. Olhámos uma para outra como se estivéssemos numa relação próxima, mas, na verdade, não estávamos.

Eu não sei quais são as suas preocupações, nem ela as minhas. E o que acho que sei sobre ela pode não ser a realidade.

Há algo que não mudou: é apenas nas relações de intimidade, privadas, que conseguimos partilhar as nossas fragilidades. Partilhamos com um amigo ou familiar. Mas como partilhar fragilidades se, nas redes, tentamos ser perfeitos?

A maioria das nossas redes sociais são “books” de perfeição — e não me refiro apenas ao aspeto físico, como é óbvio.

Fazemos férias, temos amigos, temos família, refletimos sobre a vida, fazemos os nossos lutos, mostramos o sucesso dos nossos filhos, cuidamos de nós, decoramos a casa no Natal...

Mas onde é que há espaço para falar das nossas vulnerabilidades? Estas fazem parte da vida e só podem ser partilhadas na relação com o outro.

Gastamos demasiada energia a esconder os nossos problemas e dificuldades. Ser Perfeito?

Essa energia gasta em ocultar pode aumentar os problemas: algo que começa como uma formiga pode transformar-se num elefante.

Ouvi de uma jovem com curso superior, a iniciar a sua vida profissional, algo que me fez refletir: “A minha geração tem a pressão de fazer diferente dos nossos pais. Com expectativas impostas de vidas perfeitas, somos obrigados a fazer ainda melhor do que eles. Hiper produtividade em tudo.”

Lindos e ricos?

A vida sem espaço para a intimidade não permite a existência da verdadeira individualidade, o que pode levar à exaustão.

Até já existem aplicações de inteligência artificial que mostram como seríamos nus, aumentando ainda mais esta falsa busca pela perfeição.

Neste Natal, em família, vamos tentar estar sem a presença da culpa: por comer, por não ter poses, por mostrar as nossas vulnerabilidades aos outros, seja com ou sem árvores de Natal.

”As doenças mentais, na verdade, são doenças das relações.” — Coimbra de Matos

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