Anteontem, no Mudas – Museu de Arte Contemporânea da Madeira – foi exibido o documentário “Uma casa com a rua lá dentro”, da autoria de André Moniz Vieira, produzido pela Associação Cultural e Social das Ilhas – Estúdio 21, no âmbito do projeto “Casa em Ação”. Trata-se de uma obra que nos confronta com aquilo que todos os dias tentamos não ver: as vidas invisíveis, os rostos esquecidos, os corpos anónimos que habitam as esquinas e as sombras do Funchal.
Dizer que a abordagem cultural e o envolvimento artístico “humanizam” os sem-abrigo é quase uma banalidade. Qualquer pessoa que saia daquela sala leva consigo a sensação de que a linha que nos separa da rua é mais ténue do que queremos admitir. Repetimos a frase feita – “poderia acontecer a qualquer um de nós” – e, por um instante, acreditamos nela. Mas o que me parece mais relevante é aquilo que não fazemos.
Como bem sublinhou Andreia Miranda, coordenadora do Estúdio 21, é imperioso que passemos a olhar mais para nós, para as nossas atitudes e comportamentos, e a reclamar menos do papel do Estado. Não é o Estado que cabe resolver tudo. E esse ponto é fulcral. Já o defendi noutros textos: a infantilização social – a ideia de que cabe sempre a “alguém” lá em cima cuidar, reparar, proteger – tem corroído a noção de responsabilidade individual. Também aqui, é tempo de introspeção.
Estamos realmente preocupados com os sem-abrigo ou queremos apenas uma política de vassoura, que varra da nossa vista quem nos incomoda? Queremos ajudar o outro ou simplesmente preservar o conforto do nosso quotidiano higienizado? Quantas vezes ouvimos frases como “eu não vou àquele café, trabalha lá um sem-abrigo, sei lá se se lava”? Palavras pequenas que escondem um preconceito enorme.
O documentário de Moniz Vieira não se limita a mostrar: expõe, questiona e confronta. A câmara não julga nem embeleza — acompanha. Através de um processo artístico coletivo, que envolveu músicos, antropólogos, sociólogos e, sobretudo, pessoas em situação de vulnerabilidade, constrói-se uma ponte entre mundos que raramente se tocam. A arte surge, assim, não como um adorno moral, mas como ferramenta de transformação.
“Uma casa com a rua lá dentro” é precisamente isso: uma metáfora visual sobre os muros e as janelas que erguemos dentro de nós. O documentário recorda-nos que a exclusão não é uma fatalidade natural, mas uma escolha coletiva, e não apenas individual, pois há tantos que nem à escolha têm direito — feita de omissões, de silêncios, de olhares desviados.
Não basta culpar o Estado, nem basta a caridade pontual que alivia consciências. A verdadeira reintegração implica proximidade, empatia e ação continuada. Envolve acompanhamento psicológico, abandono das dependências, mas também o reconhecimento de que cada pessoa, antes de ser um “caso social”, é alguém com nome, história e talento. A acolher estas pessoas na sociedade, é dar-lhes a cana, e comprarmos-lhes o peixe.
André Moniz Vieira oferece-nos uma obra de enorme sensibilidade, onde a câmara é extensão da escuta e a arte é um gesto de reparação. É um filme sobre o que é ser humano — e, sobretudo, sobre o que é não deixar de o ser.
O problema dos sem-abrigo não está apenas na rua: está dentro de nós, na nossa incapacidade de ver. Talvez por isso, o título do documentário seja tão certeiro — porque, no fundo, a rua também mora em nossa casa.
Sobriedade ou Caos?
Esta campanha autárquica no Funchal decorre de forma atipicamente serena. E isso, longe de ser mau, talvez seja um sinal de maturidade. Depois de dois anos histriónicos de sucessivas eleições, a serenidade pode traduzir o perfil do candidato mais relevante: **Jorge Carvalho**, da coligação PSD/CDS. A sua marca de calma e sobriedade contrasta com o estilo mais visível e mediático de há quatro anos, sem que isso signifique menor capacidade de empreender. Foi ele quem pacificou a difícil tutela da Educação durante 11 anos — e, neste caso, “no news, good news”. Como o próprio afirmou no discurso de apresentação, os funchalenses estão convocados para escolherem entre uma liderança firme e tranquila, ou quatro anos de dispersão de mandatos, e subsequente instabilidade que paralisarão a cidade.