Algemado, agarrado pelos braços, curvado e empurrado pelas costas à porta do tribunal. É esta a imagem que as televisões exibem de todo e qualquer cidadão que é levado perante a justiça. Seja ele apenas suspeito do mais pequeno crime ou então já condenado pelos horrores que praticou. Para os responsáveis do sistema judicial e prisional não há qualquer diferença. Todos, mesmo os que depois são julgados inocentes, têm de ser sujeitos àquela humilhação pública.
No processo “ab initio”, segundo a imprensa, o show foi complementado com caravana ruidosa no centro do Funchal. As televisões agradecem o aparato circense e nunca falham à chamada. Uns precisam dos outros. A turba de espetadores delira com a desgraça alheia. Imagine-se o que deve sentir um cidadão seguro da sua inocência, também há casos desses, ao ter de esconder a cara para não ser reconhecido enquanto sofre tamanho rebaixamento. Digamos ainda que mesmo os julgados criminosos têm direito à sua dignidade.
Mas então, se os visados forem figuras públicas, sobretudo políticos ou tidos como poderosos deste mundo, a festa dura horas e dias a fio. Sem querer ilibar quem quer que seja ou tentar minimizar as acusações ou suspeitas a que estão submetidos, será legítimo questionar porque é que tudo se passa desta maneira. Se não há outra forma possível de atuação das entidades envolvidas. Se há mesmo necessidade desta exibição pública ainda antes dos cidadãos, presumidamente inocentes, perante a lei, serem presentes a um juiz para poderem se defender.
Há muito que se fala dos tiques autoritários dos procuradores do Ministério Público. Tido como um poder em roda livre, dentro do aparelho do Estado. Um poder com manifestações de “parti pris” contra os titulares de cargos públicos. Embora reconhecendo o papel fundamental destes magistrados no combate a todo o tipo de criminalidade, não podemos ficar indiferentes aos recorrentes casos de montanhas mediáticas que depois se reduzem a ratinhos processuais. E, nem a crescente contestação pública, com vozes dos mais altos quadrantes políticos e sociais, onde se destaca Rui Rio na sua cruzada contra o que denomina de comportamento abusivo do Ministério Público, demove os procuradores de continuarem no mesmo “modus faciendi” de, segundo os críticos, ajudarem a promover o julgamento público e condenação mediática ainda antes de qualquer decisão judicial.
Há cidadãos que se deleitam com estes aparatos. Há sempre quem atenue as suas misérias e frustrações com o castigo daqueles que se julga bem de vida. Os outros. Os políticos. Os ricos e poderosos. Há ainda os aproveitamentos partidários, cada vez mais dependentes de casos e casinhos do que de questões programáticas. Mas há também quem, querendo deixar para o tribunal o veredicto final, se queira pronunciar apenas sobre a forma como todo e qualquer cidadão é tratado pelo aparelho judicial. Há quem se ponha a pensar porque razão a entrada em tribunal dum cidadão madeirense acusado de participação em concursos públicos duvidosos, nos faz lembrar os aparatos policiais norte-americanos na detenção de altos criminosos. Aqui com a participação da briosa força da guarda prisional. Do mesmo corpo policial que há poucos dias, dolosamente, deixou escapar um grupo de cinco condenados perigosos duma prisão portuguesa dita de alta segurança. Parece que só há brio quando o circo está montado. No resto, deixa andar. Dá para pensar, não é?