MADEIRA Meteorologia

Artigo de Opinião

Investigadora

15/09/2024 07:30

Acordo e vejo o Pico. É meu companheiro. Elegante, vaidoso, muito senhor de si consciente da sua omnipresença sobre quem mora aqui onde sopra o vento. Oito meses passados e conheço já algumas das suas manhas, sobretudo naqueles dias em que deixa cobrir pelas nuvens espessas que anunciam chuva. Conheço também todas as variações do seu manto verde e dos embalos causadas pela ventania. Falamos um com o outro. Podem julgar que é um diálogo de surdos. Asseguro-vos que não. É poesia, essa espécie de hesitação prolongada entre o som e o sentido (Paul Valéry).

Setembro entrou com chuva, mas os turistas ainda se passeiam pela vila Baleira e pela praia. As festas da Piedade e do Santíssimo animaram as noites, agora mais frescas e sei de quem bailou até não poder mais. Festejamos o aniversário da Luísa, cantando-lhe os parabéns no parque florestal. Devoramos o bolo de chocolate, lambemos as beiças e porque de repente, nos sentimos crianças, jogamos ao jogo do “quente e do frio, escondendo a rolha do champanhe por entre troncos, folhas de palmeira e outros folhagens. Revivemos jogos de outros tempos: o do anel, o do lenço e a coisa foi tão animada que, dias depois, num convívio na casa da D. Paixão fui surpreendida com um jogo diferente em que o anel é colocado num fio que é segurado por vários jogadores colocados em círculo e que vai passando até ser descoberto por quem ficou no centro da roda. Enquanto o jogo decorre, canta-se,

Onde está o meu lindo anel

Que ainda hoje aqui passou

Onde está que não o vejo

E ninguém adivinhou

Passou, passou, passou

Agora, agora, agora

Passou há bocadinhos

Não anda com meia hora.

A grande animação destes dias é a Expo, uma montra comercial que atrai empresários de dentro e de fora. Tem sido o poiso todas as noites. Por entre petiscos que satisfazem a gula de muitos, põe-se a conversa em dia e sabe-se das novidades. Pena não ter mais produtos locais, sobretudo no que aos sabores diz respeito. Nem lapas, nem caramujos, nem caracóis, nem escarpiada. Ficamos pelo prego no bolo do caco, já que fígado também não havia.

A Calheta está areada (isto é, a areia é tanta que cobre as rochas, aumentando significativamente a largura desta ponta da praia). Maravilha. Os finais de tarde têm sido fantásticos. O areal quase deserto. A água morna. O solinho ameno convidando a uma soneca retemperadora. O silêncio, sim, finalmente o silêncio de onde sobressai o marulhar das ondas e o pôr-do-sol – que espanta a ilha e sacia os nossos olhos. É aqui que começa o mundo, acreditam os poetas. Escreveu Agostinho Andrade:

Só por estes bocadinhos

Mar, silêncio, passeio

Gente, ternura ...

Valeu a pena.

É claro que vale a pena, escrevo eu.

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