MADEIRA Meteorologia

Artigo de Opinião

Diretor

17/08/2024 08:05

Do nada, voltámos ao tudo que sempre temos em tempos certos.

No inverno são as derrocadas; no verão são os fogos.

Parece escrito no calendário e se alguém quiser fazer disto uma forma de profecia, pois tem sérias probabilidades de sucesso no negócio.

No inverno, não se pode fazer grande coisa, porque não depende de nenhum poder o controlo suficiente para segurar uma arriba, um pedregulho, um barranco que seja.

No verão, também ninguém manda na natureza, mas é possível controlar esse fetiche muito nosso de ver o fogo a estalar nos céus. A verdade é que seja noite ou dia, a maioria dos madeirenses adora esse momento festivo.

E quanto mais durar a girândola, mais rija é a festa.

Andamos nisto desde sempre. São gerações atrás de gerações a olhar o céu na subida do foguete e a baixar a cabeça para acompanhar a descida da cana.

Depois, quando der para o torto – como tantas vezes dá – é chamar os bombeiros e rezar para que o fogo não chegue às casas.

Esta aparente fatalidade é daquelas que se podem minimizar. Não se pede aqui o fim das tradições, nem sequer dos foguetes. Mas seria bom que entre tanta cabeça pensante saísse um regulamento mais eficaz para intervir a tempo de se concretizar esta sina.

Se não se pode evitar enxurradas com a chuva, ao menos que se limite o fogo com o calor.

De que serve tanto investimento em meios e bombeiros, tanta mobilização, tanta conferência pública e tanta prevenção e presunção se depois deitamos tudo a perder com comportamentos de risco desnecessários?

Serve de pouco.

Depois de mais um susto neste verão, será que voltaremos a estar com o credo na boca no próximo ano?

Provavelmente.

E é isso que não se entende. Esta nossa capacidade de nos surpreendermos com o mais-do-que-certo ultrapassa os limites do racional.

Até faz lembrar aquele tempo antigo em que se aplicavam duas teorias relacionadas com os incêndios: a primeira é que não se devia falar em fogos no verão; a segunda era sobre o uso de meios aéreos: se alguém defendesse tal prática levava uma ‘roda de tonto’ que durava até ao verão seguinte.

A primeira teoria, a de evitar falar de fogos no verão, era explicada à boca pequena por gente de poder intermédio como um risco a evitar. E o risco era o de essa palavra maldita incentivar os incendiários.

Como é evidente, era apenas uma boa intenção que nunca impediu nenhum incêndio. Quanto muito serviu para ignorar um problema sério durante anos.

A segunda ideia era a que desvalorizava a pretensão de meios aéreos no combate às chamas. Dizia-se que atirar baldes de água sobre as serras com declive em jeito de ‘abica-burros’ faria deslizar a própria montanha. E ninguém queria isso. E poucos contestavam o que parecia uma verdade técnica construída em cima do joelho.

Depois veio a ciência. Vieram os exemplos de outras paragens. Veio o helicóptero. E veio para ficar e já salvou tanta gente e tantas casas e tanto verde quase a ser engolido pelas chamas.

Aliás, o helicóptero tem hoje uma outra valência altamente importante: a de veículo de resgate de pessoas em risco nas serras da Madeira. Ainda esta semana o Serviço Regional de Proteção Civil fez saber de mais uma operação de sucesso no resgate de um turista de 60 anos em situação de exaustão.

Caricata ocorrência.

A missão para salvar uma pessoa em situação de exaustão é perfeitamente compreensível. O que se torna mais difícil de entender é esta irresponsabilidade de turistas se meterem por caminhos de cabras como se fossem todos eles alpinistas encartados.

As montanhas são bonitas, são um dos nossos melhores cartazes, mas alguém tem de explicar a quem nos visita que fazer o percurso entre o Pico do Areeiro e o Pico Ruivo não é para meninos. É uma caminhada dura. Que implica muito esforço e algum risco. E que o helicóptero é um equipamento de socorro e resgate, não um veículo de boleia para turistas exaustos em percursos exigentes.

Também cabe aos madeirenses – que recebem turistas e recebem dos turistas – fazer passar essa mensagem. A prudência é sempre um bom conselho.

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