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Artigo de Opinião

Professor

8/04/2024 08:00

Foi há cinquenta anos, numa terra que veio a ser de abril. No dia 25, logo pela manhã, chegava a notícia. Revolução, em Lisboa. Os militares tomavam o poder na República e a rádio (o único canal de televisão só transmitia a partir das 18h) repetia à exaustão uma voz severa e cadenciada. Anunciava-se o fim do regime, do então denominado Estado Novo e o fim da guerra colonial. Ufa. A alegria explodiu e contagiou tudo e todos. Tomou conta da rua. Aos dezassete anos, nada melhor podia acontecer. São vivências e histórias que os jovens de agora nunca vão poder contar.

Saber que já não se vai combater em África, saber que agora há liberdade, um conceito desconhecido na época, trouxe sensações novas e inesperadas. Todas as vidas ficaram suspensas. Os trabalhos ficaram suspensos. Os deveres ficaram suspensos. Acabou-se a idade da inocência. Agora, somos livres, gritava-se na rua sem saber o que isso significava depois de décadas de escuridão.

Seguiu-se o PREC. Período Revolucionário em Curso. Com o poder central nas mãos dos militares e um “povo unido” a gritar pelas ruas e praças que jamais seria vencido. A terra pequena aderiu ao movimento revolucionário, marcando também todos os exageros da época.

Com o Padre Martins, ainda jovem sacerdote e pároco da Ribeira Seca, à frente da multidão, Machico vinculou-se para sempre como Terra de Abril, com toda a carga de significado que isso possa ter. O lado positivo de abraço à mudança, à liberdade, de condenação à ditadura acabada de sucumbir. O lado negativo por perfilar exageros revolucionários que levaram décadas a esfumar-se e a perder-se na força da razão democrática.

Aos olhos dum jovem, tudo isso era entusiasmante. Foram as ocupações ilegais de prédios públicos e privados, foram os piquetes populares de faixa vermelha no braço, a fiscalizar os preços dos produtos nas vendas, foi a multidão instigada a gritar junto aos hotéis “O D. Pedro é nosso”, “A Matur é nossa”, o “Holliday In é nosso”, assustando empresários e turistas. Foram as batalhas campais junto à Câmara Municipal, a ocupação à força e ilegal dos Paços do Concelho. Foi a desocupação violenta do edifício, pelos militares, vindos do Funchal. As granadas lacrimogénias para dispersar a multidão. Um verão quente de setenta e cinco com inscrições pró e contra nas paredes. Foi o então chamado “tribunal popular” que começou com a intenção de dar uma lição a uns rapazes que se “atreveram” a grafitar contra o “povo unido”, acabando numa espécie de julgamento público que obrigou à intervenção dos militares. Foi a ocupação e desocupação da Casa das Bordadeiras (hoje Casa do Povo) com nuvens de pedradas que duraram horas. Foi uma festa revolucionária só normalizada com o tempo. Com muito tempo.

“Machico, Terra de Abril” tem na sua fundação todas essas tropelias. Na sua evolução, marcada pela adesão calculada ao Partido Socialista, ficou a matriz populista e a aversão estratégica ao poder Regional do PSD de Alberto João Jardim.

Hoje, infeliz e paradoxalmente, esse espírito populista, essa motivação antissistema, essa predisposição para ser do contra, soma eco na nova realidade política que vem tomando conta do País, da Região e de Machico.

Afinal, 50 anos depois de se apregoar liberdade e democracia, o “Machico, Terra de Abril” acabou por ser um chão por onde cresce o novo populismo da direita radical do Chega. Sim, o crescimento local do Chega medra nos escombros desse abril. Basta ler a evolução eleitoral nas mesas de voto da Ribeira Seca, em Machico.

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