Os defensores da eutanásia, à falta de razões jusnaturais e éticas, persistem em recorrer ao jus imperium para a impor em forma de lei. Torna-se, assim, necessário chamar à atenção para o risco de, sob a capa de uma despenalização, levarem a cabo uma verdadeira liberalização da eutanásia. A lei que legaliza a eutanásia, além de uma chocante inoportunidade e de uma extrema insensibilidade por parte dos seus promotores, colide com princípios éticos inderrogáveis, é manifestamente inconstitucional e, surgindo precisamente no pico da terceira vaga da pandemia, abre a porta para aos milhares de mortos da COVID 19 se juntarem os mortos da eutanásia.
2. A despenalização do aborto
Em artigo publicado no Jornal da Madeira, edição de 20 de Maio de 2005, escrevi o seguinte: "Sob a capa da despenalização do aborto e com base em argumentos e dados estatísticos falaciosos, Sócrates levou a cabo uma completa liberalização do aborto, transformando-o num verdadeiro expediente de eliminação voluntária do feto à custa do erário público. Prometeu que, na regulamentação da lei, seriam tomadas medidas com vista a evitar, sempre que possível, a interrupção da gravidez, nomeadamente através do estabelecimento de um período de reflexão devidamente acompanhado por um médico, mas nada disso foi consagrado em termos adequados e, na prática, o aborto tornou-se verdadeiramente livre, com todas as consequências aos níveis da defesa da vida, da diminuição do défice demográfico e da organização e custos do Serviço Nacional de Saúde".
O processo de destruição de valores e princípios, de ataque à família tradicional e de reforço dos poderes do Estado e consequente fragilização da sociedade civil, tem-se inspirado na agenda fracturante do Bloco de Esquerda, perante a passividade amoral e o voto decisivo do Partido Socialista. Tudo isto tem sido feito menos por convicção que por tacticismo, em obediência à cartilha ideológica trotskista e por motivos conjunturais de mero interesse político-partidário.
3. A despenalização da eutanásia
Na elaboração da lei que agora legaliza a eutanásia, o método e trâmites formais são em tudo idênticos aos que levaram à liberalização do aborto: discurso de preocupações humanitárias, histórias pungentes de sofrimento, urgência ideológica com carácter inadiável e vários projectos de lei sobre a legalização da eutanásia. Depois da aprovação na generalidade, os projectos baixam à comissão competente para aí serem discutidos na especialidade, com a promessa de que será ouvido o maior número possível de pessoas e instituições credíveis sobre a matéria. É constituído um grupo de trabalho com vista a chegar-se a um texto único para ser submetido à votação final global no Plenário da Assembleia da República. Se não houver nenhum percalço, depois de publicada a lei, esta terá de ser regulamentada pelo governo e só então é que entrará em vigor. Tal como aconteceu com a despenalização do aborto, em sede de regulamentação é previsível que surjam os primeiros desvios ao texto da lei, ficando aberta a porta para uma aplicação desvirtuada da mesma, consumando-se, assim, a receada liberalização da eutanásia.
4. Direito à eutanásia ou sujeição?
Se, como prevejo, a tal liberalização vier a acontecer, o paciente deixará de ter opção entre a vida e a morte e passará a sujeito passivo do direito potestativo da pessoa a quem cabe executar a eutanásia. Isto é, o paciente em vez de um direito passará a estar submetido a uma verdadeira sujeição, em sentido jurídico. A liberalização é o objectivo final daqueles que ideologicamente defendem a eutanásia. Tal como no aborto, numa eutanásia liberalizada, a vida torna-se descartável com base nas mais variadas razões, sejam de cariz ideológico, político, social ou economicista. Dá que pensar!