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Artigo de Opinião

19/10/2024 08:00

O estigma associado à saúde mental, é um mal transversal à nossa sociedade e ao nosso País. Por um lado, julgo tratar-se de uma percepção errónea de conceitos, mais especificamente do conceito de saúde e do conceito de doença, e por outro lado pela carga negativa associada à procura e aos cuidados de saúde nessa área, e pela crença, de que a procura é sinal de loucura.

A forma como a saúde e a doença mental tem mudado e evoluído, é assunto de elevado interesse e de preocupação, com especial atenção à mudança de paradigma entre o que eram as condições e doenças clássicas, para a forma actual, em que temos ainda esse estilo classicizante, típico e amplamente familiar, mas às quais adicionamos as perturbações associadas a novos consumos e a novas dependências.

Vermelho: A dependência do telemóvel

Entre os novos consumos, substâncias e dependências, há um que nós toleramos, permitimos, com o qual somos coniventes e de certa forma ingénuos, na medida em que não somos capazes de perceber o real perigo que ele representa. Aceitamos a sua presença, diria até omnipresença, com a fabulação do estar sempre contactável, acessível e com o Mundo na ponta do nosso dedo. O telemóvel acorda connosco, come connosco e deita-se connosco. A sua presença cresceu e monopolizou à medida que lhe acrescentamos funcionalidades e subimos o grau da sua importância e relevância na nossa vida pessoal, profissional e social. Queixamo-nos de burnout, de assédio laboral, de bullying social e afectivo mas esquecemo-nos de quem abriu a porta e a deixou completamente escancarada. Com o medo de perdermos o que se passa lá fora, acabamos por não viver o que se passa cá dentro. O receio de sermos substituíveis faz-nos funcionar em modo 24/7, sem pausas e sem interregnos. O telemóvel tornou-se numa dependência, numa bengala, num penso rápido.

E se a dependência do telemóvel começou pelos adultos, rapidamente foi mimetizada pelas crianças e pelos adolescentes. Desde tenra idade posicionados em frente a ecrãs brilhantes, cheios de cor e movimento que permitem entreter, acalmar e não chatear, até aos mais crescidos presos a vídeos apresentados em loop e a padrões de beleza e de consumo irreais. O contacto e a presença física foram sendo substituídos pela presença virtual, onde todos estão e tudo está disponível. As brincadeiras da infância, a convivência nos recreios escolares, as conversas entre amigos foram substituídas pelos tiktokes, pelos memes e pela impessoalidade de conteúdos propagados, partilhados e eternizados algures numa página, numa rede ou num grupo de whatsapp.

De forma inconsciente, mas em certo grau também negligente, nós adultos, com o excesso de proteccionismo a que condenamos as nossas crianças e adolescentes, estamos a criar e a ver crescer a geração mais ansiosa e mais deprimida de que há memória. Demos-lhes um brinquedo para a mão que se tornou o centro das suas relações pessoais e sociais. Com a preocupação de maior proximidade, conectividade e controlo, entregamos-lhes um objecto que os domina, que lhes provoca sintomas de abstinência e cujo mundo, linguagem e interactividade, nós não percebemos e tão pouco controlamos.

Esta dependência, a ansiedade e comportamentos depressivos associados ao telemóvel, devem ser encarados de frente, com a preocupação e importância que este assunto nos merece. É preciso reverter a tendência, criar espaços seguros, sem telemóvel, para que as nossas crianças se possam desenvolver e crescer de forma livre e saudável, caindo, tropeçando e aprendendo com os erros, criando memórias que ficam guardadas por quem as vivenciou e não num cartão de memória avulso ou numa qualquer rede social.

Pela saúde mental de todos nós, mas em especial das crianças e adolescentes, lembremo-nos que ninguém é insubstituível, que o mundo não gira em torno de notificações e que não existem vidas perfeitas. Defendamos o direito a estar incontactável. Defendamos o direito a sentir-se aborrecido. Defendamos o direito aos silêncios incómodos. Defendamos o direito ao cabelo despenteado, às borbulhas na cara e à roupa fora de moda.

OPINIÃO EM DESTAQUE
Coordenadora do Centro de Estudos de Bioética – Pólo Madeira
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Há uma dor estranha, quase impossível de explicar, que nasce quando alguém que amamos continua aqui... mas, aos poucos, deixa de estar. Não há funerais,...

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