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Artigo de Opinião

22/06/2024 08:00

Aportam repetidamente à Europa barcos com gente de África, que arrisca a vida e a das suas famílias em embarcações sobrecarregadas e sem condições, em busca desesperada e corajosa por uma vida melhor. Outros vêm de outras paragens com o mesmo objectivo. Em comum a viagem fazer-se através de engajadores sem escrúpulos que muitas vezes os atiram nas mãos de redes de exploração de mão de obra e tráfico humano. Portugal foi durante muito tempo um país de emigração, e infelizmente continua a ser, em que se procurava almejar aquilo que o país não proporcionava, uma vida estável e condigna. E também não era incomum se pagar a um engajador para atravessar a fronteira, por entre covas e barrancos, rumo a França e a outros países, porque o regime nem sempre autorizava a saída do país. Era bom os jovens que hoje fazem os seus contactos na internet e viajam livremente para trabalhar no estrangeiro, tivessem a noção daquilo que foi o passado. É caricato que os políticos que muito se regozijam com o sucesso nacional além-fronteiras, para o qual em nada contribuíram, esqueçam e procurem escamotear as razões da partida forçada e as condições que não souberam criar para a evitar.

Os imigrantes que chegam a Portugal são, em geral, pessoas cordatas que procuram se integrar, cumprem os seus deveres cívicos e alguns até com iniciativa empreendedora. E são acima de tudo seres humanos, como todos os outros, em busca de conforto e felicidade para as suas famílias. Choca-me que em lugar de uma cultura de tolerância e aceitação de quem vem colmatar faltas de mão de obra da economia nacional, alguém queira arvorar uma postura de ódio e segregação, como se houvesse pessoas humanas de diversas categorias ou todos se tratassem de perigosos extremistas, numa irracional xenofobia.

A história de Portugal, sobretudo com a expansão marítima, revela um conjunto de interconexões culturais que constituem o acervo civilizacional e a identidade do país. A delinquência tem raízes sociais explicativas que nada devem à raça, à etnia ou à diferenciação cultural e religiosa, que aponta as mais das vezes para a desigualdade de oportunidades e o falhanço das políticas sociais.

Explorar focos de transgressão, em tudo idênticos à criminalidade nacional, para uma generalização abjecta que sustenta o destilar de sentimentos de ódio racial ou de supremacias de cidadania, parece-me um contra-senso grave que a história demonstrou não só não conduzir a lugar algum, como deu lugar a atrocidades penosas. Como é natural ao povo português é fundamental que se mantenha uma cultura de acolhimento e de tolerância que permita ao país prosperar sem clivagens entre pessoas, porque todos queremos o mesmo, na essencial humanidade que nos caracteriza.

Nos 50 anos que se comemoram sobre o 25 de Abril, e contrariando o facilitismo venenoso de uma cultura de ódio e ostracização, é importante que o país reflicta sobre os valores políticos e sociais que aquele permitiu alcançar e se analisem as razões que levam ainda hoje à emigração dos nossos concidadãos e as verdadeiras causas que impõem à nossa economia a necessidade de importação de mão de obra. E que os empresários que a contratam e exploram, sem observar as regras em vigor e que as fiscalizações fingem não ver, tenham a noção de que as pessoas não são números ou objectos, ainda que tenham uma pele ou uma cultura diferente e desesperem por uma vida melhor. São gente de carne e osso como eles que anseia e merece uma vida justa e condigna. E é curioso que muito do ódio que se destila contra um simples trabalhador migrante parece não se incomodar com a proveniência e o modo de obtenção do dinheiro com que se comprava com uns papéis dourados a nacionalidade portuguesa.

OPINIÃO EM DESTAQUE
Coordenadora do Centro de Estudos de Bioética – Pólo Madeira
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Há uma dor estranha, quase impossível de explicar, que nasce quando alguém que amamos continua aqui... mas, aos poucos, deixa de estar. Não há funerais,...

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