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Artigo de Opinião

Diretor

2/11/2024 08:00

A Madeira experimenta por estes dias um momento típico daqueles que se vivem em jogos de cartas onde se paga para ver os trunfos do adversário. Só que em modelo invertido: ou seja, o adversário, identificado como turista, é que tem de pagar para nos ver.

É um tempo novo que nos é oferecido, a nós, madeirenses, como se fosse a última tendência da moda mundial, a última bolacha do pacote, a última laranjada do deserto.

E ai de quem se atreve a discordar da teoria dominante. Quem ousar tal coisa leva, no mínimo, uma roda de tonto. E em público, que é para aprender!

Justamente para não correr esse risco, vamos evitar julgamentos. Vamos admitir que esta ideia de taxar tudo a todos os que nos visitam está de acordo com as mais modernas práticas no mundo do turismo. Ultrapassemos essa dúvida e consideremos que o caminho que estamos a iniciar está sustentado numa certeza inabalável.

Mas é aí que surge outra dúvida: Então se criar taxas e taxinhas é o caminho mais certo, por que é que só agora o descobrimos?

Por que razão a Madeira, que dá cartas no turismo por essa Europa fora, só agora encontrou o caminho da luz?

E porquê tudo ao mesmo tempo?

A sensação que fica é que andámos enganados durante tantos anos ou corremos o risco de nos estarmos a enganar agora.

A verdade é que as condições que existem agora para criar taxas para tudo e todos são sensivelmente as mesmas dos últimos 50 anos.

A floresta já lá estava, os trilhos existem há décadas, alguns dos miradouros mais procurados já foram visitados por milhares e milhares de turistas.

O Governo Regional foi sempre da mesma cor. E sempre discordou desse modelo. Mesmo na última década, mesmo com as equipas de Miguel Albuquerque, a ideia de criar taxas para turistas foi sempre vista de lado, com desconfiança e por vezes alvo de críticas ferozes.

Também por tudo isso, não se percebe muito bem esta mudança radical de atitude e de opinião, capaz de considerar agora o melhor do mundo o que era antes visto como um desastre.

É justo admitir que agora temos muito mais turistas. Que são mais novos, que adoram explorar a natureza, que têm consciência ambiental.

Também é razoável aceitar que os trilhos e os miradouros estão sobrecarregados e que é preciso disciplinar o acesso a essas atrações turísticas.

Que se considere igualmente a necessidade de criar uma fonte de receitas para manter os espaços limpos e as veredas transitáveis e seguras.

Que se tome nota disso tudo e de outros argumentos a favor da moda de taxar. Que fique escrito para sempre que os que se admiram com tanta taxa tenham de se redimir publicamente e assumir que as suas dúvidas eram filhas da ignorância e da falta de mundo para além da Ponta de São Lourenço.

Mesmo assim continua a ser estranha esta ânsia de cobrar a toda a hora. E ainda por cima em jeito de surpresa antecipada, como estão a sentir alguns agentes do setor.

Com esta nova determinação, a Madeira faz como fazem os jogadores de cartas em salões alcatifados: vai a jogo e paga para ver.

Será um pouco isso que estamos a fazer. Estamos a ensaiar a ver o que isto vai dar. Estamos a experimentar os turistas. Se eles pagarem sem nada dizer, está tudo certo e ainda levam com mais umas taxas. Se começarem a franzir o nariz, ainda temos aquela hipótese de dizer que quem não quer pagar também não é bem-vindo, que não queremos cá turismo ‘pata rapada’.

O pior é se eles fizerem como tanto madeirense faz quando vai a um restaurante, não gosta da comida e detesta o serviço: não diz nada, paga e não volta lá.

Esse é o risco que enfrentamos. Esse e qualquer outra pequena crise num setor que vive agora em abundância, mas está assente num mercado muito volátil, altamente concorrencial e influenciável por modas como a que nos beneficia nesta altura.

Ao entrar no jogo das taxas assim, de repente, decidido com base em tendências e aparentemente sem ouvir o setor hoteleiro, a Madeira mostra-se segura do seu naipe de cartas. Tão segura que paga para ver. Oxalá tenha uma boa mão e muita sorte.

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