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Artigo de Opinião

CONTOS INSULARADOS

12/05/2024 07:30

Ir à cidade era uma lonjura e uma canseira. Era planear a hora da camioneta, normalmente cedo, o mais cedo possível, para o dia render e se fazer as voltas todas que não eram possíveis no campo.

Era quase uma hora para cada lado, curva contracurva.

A agenda era cheia: compras, as que a folga financeira permitia, ir ao médico e à farmácia, tratar de papelada diversa e às vezes levar uma ou duas caixas de batata-doce ou tomate para venda no mercado e aumentar o rendimento do mês, cuja gestão exigia perícia.

O pequeno mal dormia com ansiedade do dia seguinte e lá acompanhava, olhos esbugalhados de sono e espanto, o dia a amanhecer sobre a baía, cujas águas e ondas ligeiras cumprimentavam e tiravam as ramelas da cidade que madrugava. Era uma correia desenfreada, pelas ruas onde as pessoas andavam de passo apressado, para incompreensão do garoto, que, do alto da freguesia, só via aquelas pressas quando era preciso dar uma carreira para limpar o entulho da levada e deixar passar a água, para dar de beber à rama que era preciso “passar” na Lua boa.

Parava a contemplar os manequins na Fernão de Ornelas, mas o pai não se compadecia da necessidade de absorver aquela realidade tão diferente da dos dias comuns. Continuava o progenitor, como se estivesse contaminado pelo ambiente frenético da cidade, rua fora sem dar tempo para um “ai jesus”. Não percebia aquela desenvoltura e as lágrimas vinham-lhe aos olhos quando dava por si sem conseguir avistar o homem que o guiava. “E se se perdesse? E o pai, como não se perdia e como andava por aquele labirinto de ruas, gentes e odores sem um mapa, sem nada?”. Duravam segundos estes momentos de incerteza, que pareciam horas de angústia.

Queria absorver a cidade, os carros, as pessoas que falavam alto no mercado, as cores. A cidade era um arco-íris, o campo era só uma manta de vários verdes e azuis e o castanho da terra. A cidade tinha as cores todas e parecia pintada a caneta de feltro, o campo era pastel e lápis de cera. Pelo caminho visitavam sempre uns tios na 31 de janeiro, que a cidade tinha ruas ao passo que a freguesia só tinha sítios, onde o correio chegava pelo nome próprio e não por número de porta. Era lá, com a família da cidade, que se alimentavam para ganhar forças e se voltarem a perder os becos e nas zonas novas e velhas, que tanto fascinavam até chegar a hora da camioneta. O regresso a casa, a partir de determinada hora parecia começar a tardar. A freguesia trazia o conforto de saber que podia ir a qualquer lugar, sabendo sempre o caminho de volta.

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