Estive a ler o artigo de opinião da jornalista Bárbara Reis “Aposto que a desobediência da Ordem dos Médicos é crime”, que recomendo, e penso que é importante alguns dos seus argumentos, que acabam por ter um alcance relevante em democracia.
Claro que o texto é sobre a necessidade da progressão da aprovada lei para a sua devida utilização, algo que a autora é profundamente a favor. Mas para mim a discussão vai mais além e saliento estes pensamentos sobre o assunto.
São apresentados alguns estudos realizados por médicos sobre a opinião dos colegas sobre a lei. De forma sumária é apresentado que em 2007 (oncologistas) existiam 38,7% a favor, em 2015 (médicos da Madeira) 66% a favor e em 2017 (continente norte) 51% a favor. Obviamente as estatísticas vão sempre variar, mas achei de todo surpreendente como uma região conservadora como a Madeira, poderia representar uma percentagem tão alta de médicos a favor.
Veio a pandemia de 2020, com os seus custos humanos inaceitáveis, poderá ter mudado as percentagens. A minha teoria / argumento é simples, com a necessidade de aceitar “não salvar” por falta de recursos, estes atos mudam o nosso interior. A balança ética de dois braços de por um lado lutar para salvar e do outro, aceitar que se fez o possível e está na altura de deixar partir, fica inevitavelmente afetada. Temos imensos exemplos na nossa sociedade sobre a diferença dos que lutam com toda a resiliência deste mundo para ultrapassar limites e chegar onde nunca ninguém imaginou e o resto da humanidade que aceita viver com o falhanço, com a inevitabilidade do que é maior do que nós e caiem com o peso da tarefa. Uns dias somos uns, outros dias somos outros, mas aqueles que fazem história, são os que têm a resiliência acima da média. E os avanços da medicina e, em particular da oncologia, devem-se aos esforços contínuos e incríveis de todos os que lutam por ultrapassar doenças que parecem / pareciam impossíveis de se controlarem, quanto mais considerar curadas.
É isto que a sociedade civil tem dificuldade em aceitar os médicos que se assumem como definitivamente contra. Sem este incrível espírito de encontrar soluções para o impossível, não existiria medicina moderna. Compreendo todos os que são a favor, porque lidar com o sofrimento sem aparente benefício, sem aparente fim, é uma tortura para todos os que desejam diminuir a doença (o sofrimento). Tudo parece mais simples quando falamos de animais de companhia, mas de humanos, parece bastante mais complexo.
Diria em termos filosóficos que se deveria criar uma profissão, a profissão para acompanhar o final e, com a necessidade da implementação da lei, facilitar a morte de outro ser humano. Na minha opinião, não deveriam ser médicos a fazê-lo. Isso perturba demasiado o espírito médico de salvar vidas e de curar pessoas. Num pensamento completamente radical e fora da caixa, potencialmente problemático, poderia ser uma boa ocupação profissional para as pessoas que não têm problema em terminar vidas humanas.
Este tema custa-me sempre um pouco, não só por ele em particular, mas sobretudo porque como sociedade não resolvemos problemas mais simples, como a prostituição. A prostituição é considerada uma das profissões mais antigas, mas continua sem segurança ou dignidade. Por curiosidade, uns estudiosos de Harvard defendem que afinal a mais antiga profissão do mundo humano é a de cozinheiro. Talvez seja essa a razão que nos leva a trabalhar e socializar à volta da comida.