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Artigo de Opinião

25/05/2024 08:00

Bernardo Soares escreveu que a sua pátria era a língua portuguesa. A nossa pátria é rica, densa e permite albergar com os seus vocábulos qualquer pensamento. Haja pensamento que a use e esgote. Esse é o seu dilema actual. Cada vez mais a sua vastidão se perde por falta do seu domínio e conhecimento e pela dificuldade na elaboração de pensamentos que permitam dar largas à sua riqueza vocabular. A estreiteza mental vem-se agudizando assustadoramente e agoniza a profundidade do pensamento, a assimilação de conceitos abstractos e o domínio do pensamento crítico e interrogativo. Tudo parece se circunscrever a um entendimento uniformizado, superficial, limitado e gasto e para o qual a habilidade vocabular se satisfaz com uma enumeração ínfima que permita revelar o afunilamento do pensamento, na vivência apressada e fútil das redes sociais, na sensaboria das comunicações repetitivas da burocracia ou na quadratura do linguajar discursivo da política e da demagogia. Tanto que até a inteligência artificial já se permite fazer melhor do que muitos seres humanos, com ferramentas que deixam escrever e dissertar sobre qualquer coisa. Mas por mais que a artificialidade avance nunca poderá substituir o engenho humano e a sua essencial capacidade de sentir emoções e as extravasar. Nada substitui o velho livro impresso, o corpo escrito que cheira, que se toca, a individualidade de uma coisa única, palpável, nossa, com a qual se cria uma relação de intimidade intelectual e afectiva, fiel guardião das palavras, os caracteres que tornam eterno o pensamento. Uma vez escritas, as palavras subsistem-nos, vivem mil anos por aí, até morrer a língua em que foram escritas ou o planeta girante em que tudo isso se deu. Mas hoje poucos querem ler, mais do que uma ou outra tirada sonante ou um título bombástico condizente com os sentimentos ou sensações padronizadas e simples que se quer extravasar. Hoje as gentes parecem querer saciar-se com o sabor das imagens, da exibição de poses e atitudes, querendo absorver tudo rapidamente sem tocar verdadeiramente em nada. Perde-se o valor do toque, a profundidade e a suavidade do sentir, do ser, em troca de uma qualquer exibição virtual e o seu aconchego ou as construções breves na busca de um qualquer jogo de posse ou poder em que os homens se procuram engrandecer.

E não há tempo, não há tempo a perder com aquilo que confronta, com tudo aquilo que faz pensar e doer. Tem-se medo do que não se conhece ou domina ou nos põe à prova, do que nos faz sentir nus, diante de uma verdade que não se quer ver, de uma realidade crua que é premente fantasiar, evitar, escamotear, a cegueira sobre a essencial falta de sentido da vida e a inelutabilidade da morte. Nesta vivência apressada e inquestionada perde-se a singularidade da vida e das emoções, a riqueza e a diversidade do pensamento, do sentido crítico e da assertividade. E perde-se a riqueza vocabular que as devem acompanhar. E cada vez mais perece a pedagogia, a intenção de criar conhecimento, arvorando-se em seu lugar a estupidificação, o culto da mediocridade das modas, o esvaziamento do pensamento crítico que tão bem serve alguns interesses ideológicos. E é triste ver as diletantes figuras do momento a ensaiar citações sem nexo ou tiradas levianamente dos motores de busca da internet ou a hesitar e rodear os tempos verbais que não dominam e a assassinar vocábulos que desconhecem.

E em lugar de edificar, procurar discernir e elevar o patamar da palavra e do pensamento, melhor é atirar com um: “Lá vem este com manias de intelectual”, arrastando tudo para o charco da ignorância e da desqualificação, procurando nivelar tudo e todos por um diapasão de menoridade que conforta e engrandece a mediocridade.

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