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Artigo de Opinião

silviamariamata@gmail.com

1/08/2021 08:00

A primeira visita que chega à nossa casa é do JP. Chega assenhorado! Sem ninguém lhe pedir, pede um trapinho velho para lavar o caco onde os gatos comem e esfregão de alumínio com um belisco de sabão azul! Põe-se a arear e anuncia que hoje vai haver missa na capela e romagem até lá baixo às Pedras! As pequenas preparam gastalhos secos do pereiro e pregam com alfinetes naperons de croché e paninhos com morangos e cerejas bordados a ponto de corda! Lá vai a Maria com o lenço da mãe na cabeça para ir à missa! A missa já começou? Pois ainda não começou, alguém lhe diz a rir daquela inocência tão séria! JP é o padre! Tem o hábito vestido! Quem lho deu? Não sei! A igreja improvisada, longe do terreiro da casa, lá para os lados do pinhal! Há um altar, uma tábua junto ao bardo com uma vela e flores! Os bancos para os fiéis, tábuas! Todas sentadas, o senhor padre JP dá a missa e benze! Depois combina a romagem que deve sair agora e ir solene e séria até lá baixo às Pedras, junto às casas das do Ti Lopes! Mais para baixo nem pensar, as mães não deixam! Não sei bem porquê, o senhor padre JP aborrece-se com as paroquianas, brigam-se e ofendem-se. De modo que apenas uma, a Maria, sempre fiel, o acompanha na procissão. O povo para e dos terreiros aprecia e ri com aquela amizade, um senhor padre em miniatura e a sua beata devota com o lenço da mãe na cabeça a exibirem o gastalho da romagem e a cantarem músicas religiosas! Pureza! JP ainda hoje vai se despir de padre e vai cozer milho num lar de pedras dentro de uma vasilha de salsichas! Oxalá que não apanhe gafanhotos para os misturar à cozedura! Mas o mais certo é apanhá-los, já se sabe! Peste que ele é sem a fatiota de padre!

À tarde, chegam elas! São tantas que não há banquinhos para todas! Não se demoram, porque a vida é apressada! Puxam umas pelas outras! Puxam por mim! Não! Antes, o senhor Alvarinho, o carteiro, vai passar! Vai tocar forte a corneta! O mulherio vai se aproximar dele na vereda à espera de cartas embarcadas e ele, para mim, vai trazer dentro daquela mala enorme de cabedal uma carta da minha amiga da escola! Ela vive no outro lado da cidade! Vou-me sentar na mesa da cozinha a ler a carta. "Escrevo-te estas letrinhas, na esperança que estejas bem de saúde, feliz e contente, gozando as tuas férias." Ponto, linha abaixo, etc, etc. E eu vou já dar a resposta.

À tarde, debaixo da latada da vinha, em casa da tia Maria Augusta, há cantorias, concurso de música! Entram Tonicha, Teresa Tarouca, Simone de Oliveira, Maria da Fé e tantas outras que a minha memória já não alcança! As vozes preparadas do melhor imitam as cantoras fadistas da moda que cantam nas telefonias. Sobem e descem do palco improvisado! Na assistência, as outras dão palmas e gritam "Bravo"!

À tarde, de cima da rocha, zunem pedradas por aí abaixo a ver quem acerta na coelheira da senhora Maria José de Umblina. O estrondo que a pedra faz na folha de zinco é música para os ouvidos! Quem não gosta nada daquilo são os coelhos assustados a correr e a senhora Maria do Ó que abre a porta do lado do ribeiro e vem brigar "Vai lavar a roupa para a ribeira! Deus me perdoe por amor de Deus!" Outra música! Depois comer ameixas até não poder mais, rindo e cantando "Primavera das flores", ou melhor, "das folores"! Ouvir ao longe, quase noutro país, uma mãe chamar Josééééé Lineeeeeeeee…..

MR tem agora um estúdio, o gira-discos a rodar, a música dos Beatles ou Rolling stones em altos berros e a senhora Elisa entra e diz "Para com isso já ou eu vou jogar isso tudo para dentro do ribeiro!" Ela traz a vassoura e ele, "respeitinho, avó," baixa logo o volume! "Vou dar em louca com este barulhão! Não devia haver férias grandes!"

Ao longe há uma voz que chega tão perto! Minha mãe grita por mim! "Anda já para casa! Ainda não deu de retoiça?" Num instante passou o dia! Obrigada por ter passado! Cada uma, como gaivota, segura na roda do vestido e corre, pula para casa! Até amanhã! Nosso senhor que dê uma boa noite à gente todos!

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