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Artigo de Opinião

2/04/2022 08:00

Sucede que este nascimento, já com contornos tão delicados por acontecer em tempos de guerra, aconteceu num contexto de gestão de substituição, uma prática devidamente legislada na Ucrânia.

De acordo com dados divulgados pela Euronews, em 2021, nos últimos cinco anos, mais de quatro mil bebés tinham ali nascido das chamadas "barrigas de aluguer", 90% dos quais destinados a ir para outros países.

Há, aliás, muitos portugueses que recorrem a mulheres ucranianas para cumprir o sonho da parentalidade e, neste momento, consta que quase uma centena de bebés nascerá nos próximos meses, na Ucrânia, tendo Portugal como destino-casa.

A situação destes pais, que aguardam por notícias das gestantes ucranianas, e a da bebé nascida no Porto, de "barriga de aluguer", assumem contornos devastadores para todos. Não está só em causa o cenário de guerra - que acumula anseios, medos, incertezas e dúvidas - mas, também, a componente e as diferenças legais entre os dois países.

Em Portugal, a gestão de substituição vive num vazio legal.

A criação - ou tentativa - de um regime jurídico adequado arrasta-se há anos, tendo sido aprovado em 2016 e, mais tarde, chumbado pelo Tribunal Constitucional. Em 2021, a lei passou, mas nunca foi regulamentada pelo Governo da República, tendo o prazo terminado a 15 de janeiro último.

Ao Público, o Ministério da Saúde declarou que face à "complexidade da matéria, o processo de regulamentação ainda está em curso". Com a menina nos braços, o Ministério dos Negócios Estrangeiros declarou, ao Expresso, estar a pensar numa "solução excecional".

Neste país à beira mar plantado, as exceções são mais do que as regras. Os prazos são ultrapassados, as matérias complexas mal debatidas, os portugueses pessimamente esclarecidos. Tudo se desenvolve a um ritmo avassalador, de tão lento que é. Só que neste caminho, entre cá e lá, e agora com guerra à mistura, há gente dentro.

Há uma menina de poucos dias nascida ao abrigo de um contrato assinado na Ucrânia, mas que pode ficar refém da lei portuguesa. Ou da tal "solução excecional" que ninguém conhece, ainda que tenha sido dito que, neste caso particular, "as questões legais e jurídicas foram acauteladas".

Esta história, que é agora conhecida, e que pode ser espelho de tantas outras, tal como a dos pais daqueles bebés que nasceram e continuarão a nascer na Ucrânia, mas com alma portuguesa, levam-nos à urgência, neste caso, da regulamentação. Mas, igualmente, da necessidade premente de se legislar envolvendo a população, longe do mofo dos gabinetes da República, e de se colocar em prática condições que ajudem as mães e pais portugueses.

As imagens de longe dilaceram-nos o coração, mas, aqui, há guerras da guerra a nos entrar porta dentro. E o Governo da República tem obrigação de agir. Por quem chega e por quem nasce, por quem encontra, nesta solução, uma resposta ao sonho.

Não nos esqueçamos que a menina está, hoje, nos nossos braços, embalada pelo sonho de alguém.

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