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Artigo de Opinião

12/02/2022 08:00

Quando se vê e sente as coisas de longe, quando o tempo nos acorda de repente a memória, somos invadidos pela beleza dos grandes momentos que cumplicemente vivemos.

Ouvir as histórias do Augusto, partilhar com ele e ele comigo as nossas culturas, as nossas opiniões e as nossas formas de sentir a vida leva-nos a entender que a vida é uma arte permanente. O Augusto Cabrita, meu irmão e mestre, queria acompanhar-me sempre nas ações de formação e atualização que eu desenvolvia em escolas da margem sul do Tejo, "a nossa margem". Por outro lado, eu queria sempre acompanhar a poesia e a música das imagens do Augusto, queria sempre acompanhar os impulsos dos seus "disparos" e o registo observado no momento da sua respiração. Recordo amargamente a sua respiração já no final quando colocava a sua máquina fotográfica sobre o meu ombro e dizia: não respires! E só se ouvia o tlac-tlac do disparo da respiração do fotógrafo. Após longa doença, os antibióticos destruíram-lhe o diafragma e a audição. Tal como Beethoven, Augusto Cabrita, que era um exímio pianista, mesmo surdo, sentava-se no banco do seu piano de cauda tendo por detrás de si as fragatas de Lisboa tal como asas de gaivotas a espreguiçarem-se no Tejo e deslumbrava-nos com o concerto de piano de Shostakovich ou com improvisações jazzistas em Blues e Swing. Recordemos a forma como para a RTP criava imagens extraordinárias para acompanhar João de Freitas Branco, matemático e musicólogo, nos célebres programas Melomanias. Nos filmes por ele realizados as imagens dançavam com um rigor magistral, sincronizadas com a seleção musical de Freitas Branco, tal só era possível a alguém que via e ouvia mentalmente a música desejada, tal só era possível a quem dominava a câmara como se se tratasse de um prolongamento do seu próprio corpo.

Por volta dos anos quarenta, Augusto Cabrita desenvolve um conjunto de exposições de fotografia onde a fotografia é, tal como a pintura, obra de arte. Havia entre nós alguns fotógrafos de nomeada tal como Mário Novais, Santos de Almeida, Almeida d'Eça, Manuel Correia, Manuel Moreira, Francisco Lemos e também devotos da fotografia - os arquitetos Víctor Pala e Keil do Amaral. Cabe aqui referir também três grandes figuras da fotografia madeirense e nacional - João Pestana, Perestrello e o atelier Vicentes onde agora podemos ver a imensa força desta exposição de Augusto Cabrita. Atente-se à forma como regista os dramas contidos nos olhares de um povo sofrido e sofredor...

A vida de Augusto Cabrita era uma constante de estética, de sagesse e de mensagens e sons que se colavam nas películas dos seus filmes e fotografias.

Por falar em sagesse recordo as fotografias de filmes como: As Ilhas Encantadas do cineasta Carlos Vilardebó, Belarmino, o extraordinário filme de Fernando Lopes ou de Hans Christian Andersen, Uma história de Trens, onde o dinamarquês explorava toda a sensibilidade artística do nosso fotógrafo, ou ainda a Catedral da Angústia do nosso comum amigo António Vitorino d'Almeida.

A propósito do magnífico Belarmino, recordo a visita entusiasmante que Francis Ford Coppola fez a Lisboa para ver as imagens e com o intuito de convidar Augusto Cabrita para trabalhar com ele em Hollywood. Augusto e eu levamo-lo ao Barreiro e na pequena Tasca do Compadre obsequiou-o com uns bivalves à Bulhão Pato, poeta do século XIX só conhecido pelos seus dotes gastronómicos e não tanto pela sua poesia, também ele de Almada/Porto Brandão, e com um saboroso vinho branco de Azeitão namorávamos todos o Tejo, Lisboa e Santa Engrácia. Nesse momento Augusto Cabrita respondia a Francis Ford Coppola: não posso ir contigo para Hollywood, preciso estar aqui a namorar Lisboa e daqui, do Barreiro, parto para Bruxelas e vou à Europália falar de como é bom viver em Portugal. E assim fez. Chegado a Bruxelas, grande centro da Arte Déco e da Arte Nova, ousou conferenciar sobre estas artes perante uma plateia de especialistas belgas, deixando-os atónitos com tanta sabedoria. Eu assisti com lágrimas de orgulho e voltámos para Almada e para o Barreiro para continuarmos a namorar Lisboa.

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