Voltámos à inflação, ao aumento dos preços, aos juros sufocantes, à rápida erosão do poder de compra que fustiga severamente todos, com a classe média no epicentro. Voltámos, findo mais um ano, às propostas dos orçamentos públicos que vão condicionar as nossas vidas, no ano que se aproxima. Nada de muito positivo. Por isso precisamos de andar sempre a sonhar.
Deixo para outros uma apreciação global dos impactos dos orçamentos nacional e regional. Fico-me pelo orçamento do meu município que, de alguma forma, espelha a estagnação que se vive no país.
Desde logo, o que o distingue dos outros orçamentos é a sua honestidade. Enquanto os socialistas nacionais nos brindam com mais um exercício de ilusionismo orçamental, fazendo crer que tudo será formidável no ano que vem, por aqui, no município de Machico, estes socialistas nem se dão a esse trabalho, a essa maçada. O seu orçamento é cristalino, claro como água e honesto como nenhum outro. Nada. Para o ano, a Câmara não vai fazer nada de novo. É isso que está no orçamento municipal agora aprovado.
São 14 milhões de euros que a Câmara vai gastar em 2023. A maior parte desse dinheiro vem das transferências do Estado, perto de 9 milhões, e dos impostos diretos (IMI, IMT e IUC), 3 milhões. Mais algum de taxas e muito pouco de financiamento comunitário, o que reforça a imobilidade, a incapacidade de realizar investimento.
Como é que a Câmara prevê gastar estes 14 milhões? Muito simples. À boa maneira socialista. Gerindo as pequenas coisas do dia-a-dia. Mais de 11 milhões para as despesas de funcionamento da Câmara (pessoal, reparações, aquisição de bens e serviços, educação, desporto, subsídios e apoios) e menos de três milhões para investimentos. Pequenos investimentos na educação e o grosso na manutenção e melhoramento de veredas e caminhos.
É isto. Simples. Os anos passam e não há nada de novo. A não ser o facto de já não haver a dívida deixada pelo PSD e que durante anos foi a desculpa para a inércia municipal. Agora a Câmara já não está afogada em dívidas.
Confesso que nem todos tiveram esta sorte. A sorte de estar comodamente numa Câmara à espera que o tempo passe. Outros tiveram infernais tribulações. Todos enfrentando um rol de reivindicações que hoje parece nem terem existido. Foi a luta pela água nas torneiras, a iluminação pública, o pavimento, alargamento ou construção de veredas e caminhos, foi os esgotos, foi a recolha do lixo e a exigência de contentores em todo o concelho, eram as escolas onde chovia, os bombeiros que não tinham quartel, expropriações difíceis, a cidade que não tinha ruas decentes, estacionamentos, equipamentos desportivos ou de cultura. Foi todo um município a refazer. A modernizar.
Uns fizeram mais do que outros, mas todos viveram a mesma tormenta. Nunca como agora se gozou de tamanha acalmia dentro dos Paços do Concelho. Sem pressas, sem pressões. Tudo numa boa. O que é salutar. Os anteriores é que não tiveram sorte nenhuma.
Mas caramba. Podiam fazer qualquer coisa. Tomar qualquer iniciativa. O concelho ainda precisa de mais. De muito mais. Nem que fosse resolver o problema do cemitério do Porto da Cruz. O orçamento de 2023 só tem dez mil euros para cemitérios. Que é como quem diz: os mortos podem esperar.
E os anos passam.