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Artigo de Opinião

Economista

15/06/2024 08:00

De acordo com a parábola da Antiguidade contada por Cícero, Dionísio o Velho, tirano de Siracusa, tinha um cortesão chamado Dâmocles que era um bajulador de primeira linha. Regozijava-se nos festins da corte e invejava o poder do seu soberano. Farto de o ouvir desejar o poder, Dionísio concedeu-lhe o seu desejo e deixou que o substituísse por um dia. Nunca tinha sentido tamanha alegria, rodeado de luxos e prazeres, inebriado pelos vinhos e pelo poder. Contudo, ao mesmo tempo que o deixou sentar no seu opulento trono, Dionísio ordenou que fosse pendurada uma espada sobre a cabeça de Dâmocles, presa apenas por um fio de rabo de cavalo. Assim, ao acompanhar o desejado poder, Dâmocles não se via livre da ameaça constante e pendente sobre si.

É esta espada afiada que dita a fugacidade do poder, bem como o próprio peso da decisão política. Seja para tiranos, seja para democratas.

Neste primeiro semestre já tivemos três eleições, fazendo de 2024 um verdadeiro “super ano” eleitoral. Adensa-se no horizonte deste ano ainda a possibilidade de novas eleições regionais, devido à próxima votação do Programa de Governo numa ALRAM de contabilidades difíceis de resolver. O eleitorado decidiu que qualquer solução governativa ficaria presa por finas linhas de entendimento, diplomacia partidária e capacidade negocial. Cabe aos partidos identificar os obstáculos para esse processo. Quando há um obstáculo não se muda de raíz toda a estrada; retira-se sim o empecilho do caminho.

Vejamos o caso francês, na sequência das eleições europeias do passado fim de semana. O presidente francês Emmanuel Macron anunciou novas eleições para o próximo 30 de junho, devido à derrota que sofreu. Esta decisão causou um reagrupamento partidário, incluindo na própria oposição.

Em consequência, na passada terça-feira (de forma surpreendente para todos) o líder do partido conservador Les Républicains, Éric Ciotti, anunciou que pretendia aliar-se à extrema-direita de Le Pen (RN) para concorrer em conjunto às eleições antecipadas. Nem 24 horas depois deste inusitado anúncio, Ciotti foi defenestrado pela comissão política do seu próprio partido. De pouco lhe valeu a “categoria” de presidente do partido, pois a consciência coletiva da restante equipa não aceitou que Ciotti tivesse negociado em secreto e contra os princípios fundamentais do partido Les Républicains. Expulsaram o seu presidente num autêntico motim. Mais uma lição de profundo republicanismo vindo de França.

No caso de França, a espada de Dâmocles caiu sobre os líderes políticos e não sobre o eleitorado na forma de chantagem eleitoral. Não são nem as estradas, nem os hospitais que ficam reféns. Outros países europeus ficaram meses sem governos formados (veja-se o caso da Bélgica ou dos Países Baixos), e não se abateram pragas bíblicas sobre esses países. Nada invalida a atividade parlamentar, bem pelo contrário. O caminho da chantagem só causa desconfiança e afastamento.

Em última análise, é o eleitorado que tem o poder da espada de Dâmocles na sua mão. Quando o eleitorado não assume essa espada, acaba ele próprio decapitado da sua força democrática. Quem se deixa intimidar acaba abusado. Quem não sabe promover entendimentos acaba isolado. Afinal, o poder não emana do nascimento, da herança ou de uma qualquer aura divina. Em democracias plenas, as lideranças servem as instituições, ao invés das lideranças se servirem das instituições.

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