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Artigo de Opinião

18/04/2023 08:00

A filosofia grega definia-a como um animal doméstico, enquanto o homem era o animal político. Ele era superior. Podia governar a casa, a comunidade e possuir escravos. Por isso, a democracia grega excluía a mulher. Este retrato de pessoa débil, volátil, medrosa e incapaz de gerir seja o que for continuou a ser construído pelo cristianismo. Tomás de Aquino defendia que a mulher até poderia tomar uma decisão, mas não a conseguiria levar a cabo por causa da sua irracionalidade ou de sentimentos como o amor, a ira ou o medo. Era a "ordem natural das coisas".

Estes conceitos atravessaram a revolução francesa e mantêm-se arreigados em muitas culturas, mesmo hoje. É a lógica de manter o poder na mão do homem, afastando dele as mulheres. A tal ordem natural das coisas. No dia 11 deste mês, no jornal Público, dava-se conta de um movimento de homens católicos na Croácia que se juntaram para rezar pela restauração da autoridade masculina. As mulheres, afirmam, são culpadas de induzir os homens no caminho do pecado. Sim, há padres do seu lado a apoiar estes "Cavaleiros do Imaculado Coração de Maria" que pretendem repor o patriarcado e a exclusão das mulheres da vida pública. Pelos vistos, têm muita coisa em comum com os radicais do Islão e do Daesh. E estão na Europa do séc XXI. São homens a lutar pela ordem natural das coisas…

Este pensamento machista e patriarcal tem consequências na educação e na afirmação das mulheres, mesmo em 2023. Têm de vencer barreiras invisíveis que minam a sua confiança nas suas capacidades. Sabem que têm de enfrentar todo um sistema político e social que, mesmo com legislação defensora da igualdade, mantém a todo o custo o "status quo" patriarcal e dificultador do acesso das mulheres a lugares de topo nas empresas ou na política, a salários iguais, à partilha das tarefas e responsabilidades familiares, a tratamento isento.

Com o caso do CES e do artigo que deu conta do assédio sexual na academia (que tem sido encoberto e desvalorizado) voltámos a ouvir os argumentos habituais sobre as mulheres que têm a coragem de denunciar abusos e violências de que tenham sido vítimas: só falam agora? O que querem é dinheiro, fama, atenção! Incompetentes! É assim que querem atingir um lugar de topo… Veja-se como são tratados os casos de violação, violência doméstica ou assédio. Duvida-se da palavra da vítima, questiona-se a ausência de queixa. Põe-se em causa a sua idoneidade moral e social. Ignora-se propositadamente a relação inferior de poder existente. Descredibilizar as vítimas é manter a "ordem natural das coisas", retirando-lhes margem para a denúncia.

O machismo existe, é estrutural e praticado tanto por homens como por mulheres. Quem tenta encobrir este facto, dizendo-se defensor da igualdade, mas desvalorizando pessoas que a promovem, acusando-as de uma cultura "woke", ou de radicais que querem eliminar as diferenças físicas entre os sexos, está a prestar intencionalmente um mau contributo para uma sociedade igualitária e justa. Fazem-me lembrar os que dizem estar com o 25 de abril, mas que inventam todos os anos motivos para denegrir e esvaziar as suas comemorações. Abril é também celebrar a igualdade. Viva o 25 de abril!

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