Tudo tem explicação - uma explicação lógica e objetiva.
Aquilo que não se sabe, nem se compreende, aquilo que não se conhece, nem se vê, seja no campo físico ou imaterial, no corpo ou na alma, decorre tão-só da nossa ignorância, ou da nossa estupidez, ou da nossa distração, ou da nossa loucura, pois estas são substâncias que existem em abundância em qualquer indivíduo, como todos já terão percebido, e sempre em elevado grau de pureza, eu diria mesmo 100% puras.
Se não for numas coisas, noutras será com certeza.
De estúpido, louco, burro e distraído todos temos muito e em permanência.
(Apesar de dizer ‘todos’, falo apenas por mim, claro. Sem ofensa. É uma figura de estilo.)
A vida, de facto, não é simples.
Podia ser, devia ser, mas não é.
A vida é complexa e cheia de merdas e de porcarias que nos chateiam constantemente e nos atiram uns contra os outros por tudo e por nada, da causa mais nobre à mais abjeta, sempre com uma brutal confusão latente entre uma e outra - o bem e o mal, o certo e o errado, o sóbrio e o ébrio, a verdade e a mentira, o autêntico e o fingido, a vida e a morte -, mantendo-nos num estado diário de guerra e paz connosco e com os nossos semelhantes, com os bichos e com as pedras do caminho, com o tempo e com o espaço, com tudo o que há e tudo o que não há, isto conforme a hora e a toada do espírito, que tanto acorda para rir como para mandar vir, de modo que o mais fácil é mesmo resumir tudo o que se puder a mistério.
Já dizia o meu pai…
Lá dentro, dentro do mistério, cabe o universo inteiro, o seu contrário e o seu resto também e ele anula na perfeição o vigor das explicações que ninguém quer conhecer, nomeadamente quando ultrapassam a lógica e a objetividade com a sua nudez, a sua crueza, o seu descaramento, o seu ultraje, a sua transparência. Ou seja: Puta que pariu o mundo sempre que mostra aquilo que de facto sou, que não é nada de especial, qualquer coisa como 65% de oxigénio, 18% de carbono, 10,2% de hidrogénio, 3,1% de nitrogénio, 1,6% de cálcio, 1,2% de fósforo, 0,4% de potássio, mais não sei que percentagem residual de enxofre, sódio, magnésio e cloro.
Que faço eu com isto?
Para que me servem estes elementos sem o mistério?
Servirão para adubar a terra, com certeza, mas até lá abro os braços à vida e digo aqui em alta voz, aqui perante vós:
Venha a mim o amor para sempre e a saudade sem fim.
Venha a poesia, a música, a arte e a filosofia.
Venha a dor de sentir e a alegria de partir.
Venham as estações do ano e todos os perigos do mundo.
Venha também o medo e a coragem de ser e estar.
Venha o sonho e a solidão.
Venha a esperança e o seu inverso.
Venha Deus, todos os santos e o Diabo a quatro também.
E venham os anjos, os feiticeiros, as bruxas e os videntes, venham as cartomantes e os prestidigitadores.
Venha o horror da espécie e a possibilidade da sua salvação.
Venha o pão e o vinho.
Venha o excesso e a euforia.
Venha o sono profundo depois da jornada e a luz do novo dia para seguir viagem.
E por aqui me fico nesta manifestação conjunta de burrice, estupidez, loucura e distração.
De facto, nada é um mistério…