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Artigo de Opinião

22/04/2023 08:00

Porém, como bem lembrou José Saramago no discurso que proferiu em Estocolmo, em 1998, por altura do banquete em sua honra pela atribuição do Prémio Nobel, «nenhuns direitos poderão subsistir sem a simetria dos deveres que lhes correspondem». Isto é, um direito só existirá, de facto, se houver quem tenha o dever de garantir que se cumpra.

Mas quem deverá garantir o direito à habitação? E como?

Quando falamos de direitos fundamentais, partimos do princípio que têm de ser assegurados primariamente pelo Estado, ainda que nem sempre de forma exclusiva. Essa garantia pode obrigar a uma ação, isto é, alguém terá a obrigação de fazer algo. Noutros casos, serão o que o constitucionalista Gomes Canotilho definiu como «direitos negativos», garantidos quando o Estado não impede o seu exercício, como no caso das liberdades de pensamento, de expressão ou de circulação.

Para algumas correntes do pensamento neoliberal, esta deverá ser sempre a primeira escolha, também nos direitos fundamentais: deixar a responsabilidade ao Mercado, uma entidade abstrata e incorpórea, a que Adam Smith chamou a «Mão Invisível». O Estado deve manter-se tão ausente quanto o possível, reduzindo a sua ação à garantia de não interferência.

No entanto, por muito importante que seja a iniciativa privada (e é mesmo), não é suficiente para suprir todas as necessidades ao ponto garantir um direito constitucional que se pretende universal, como o direito à habitação. Desde logo, pelo chamado «Problema Económico»: há uma escassez de recursos, que são finitos, para satisfazer os desejos humanos, que tendem para o infinito.

Quando há uma quebra na oferta, aumento repentino da procura ou crescimento da disponibilidade de dinheiro (liquidez) na economia, os preços sobem demasiado depressa (a famigerada inflação descontrolada). O acesso ao mercado torna-se impraticável, mas a necessidade subsiste.

É o que tem vindo a acontecer nos últimos anos. Portugal, incluindo as Regiões Autónomas, tornou-se muito apetecível (aumento da procura) para gente que vem de fora, com maior capacidade económica (maior liquidez), sem que haja aumento de habitação disponível (diminuição da oferta), principalmente nos segmentos mais económicos, deixando uma fatia importante da população sem solução.

Há resposta?

A Constituição diz que sim. Nos números seguintes do mesmo artigo 65.º diz que compete ao Estado (incluindo as Regiões Autónomas) programar e executar uma política de habitação, promover a construção de habitações económicas e sociais, estimular a construção privada, com subordinação ao interesse geral, e o acesso à habitação própria ou arrendada, incentivar a criação de cooperativas de habitação e a autoconstrução, bem como adotar políticas que possam estabelecer um sistema de renda compatível com o rendimento familiar e de acesso à habitação própria, e ainda definir regras de ocupação, uso e transformação dos solos urbanos, ou proceder às expropriações dos solos que se revelem necessárias à satisfação de fins de utilidade pública urbanística.

Em vez de se limitar a confiar cegamente num mercado que, neste momento, está a funcionar apenas para o segmento de luxo, é hora do Governo Regional e as Autarquias Locais assumirem os direitos (e os deveres) que a Constituição também lhes dá, para atuar em favor da nossa Liberdade de Habitar na nossa região.

E por falar em Liberdade, esta terça-feira comemoram-se os 49 anos do 25 de Abril. Celebre-o! A Liberdade que nos deu, de dizer (e mudar) aquilo de que não gostamos, merece.

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