A ciência psicológica tem sistematicamente demonstrado a importância da qualidade das nossas relações interpessoais para o nosso bem-estar e saúde mental. Ainda que isto seja óbvio para muitos, o óbvio também precisa de ser dito, sobretudo numa época em que tanto se fala de bem-estar e felicidade, com múltiplas “receitas” e “métodos”, frequentemente centrados no indivíduo fechado sobre si.
A literatura mostra-nos que, em geral, as pessoas gostam de socializar e que a interação social com qualidade, seja ela mais breve ou momentânea, ou então estruturada e prolongada no tempo, é um fator positivo no seu sentimento de satisfação. O que já se percebeu, todavia, é que essa satisfação não se aplica apenas a pessoas próximas, como amigos e familiares, mas que também ocorre quando interagimos com desconhecidos, incluindo nas designadas interações sociais mínimas (por exemplo, quando estamos a ser atendidos num balcão, numa caixa de supermercado, na paragem, numa fila, entre outros).
Faz agora dez anos que um dos primeiros estudos a testar essa ideia foi publicado no Social Psychological and Personality Science (G. Sandstrom & E. W. Dunn, 2014, Is efficiency overrated?Minimal social interactions lead to belonging and positive affect). A partir de uma situação numa conhecida loja de cafés, havia duas condições pelas quais os participantes foram distribuídos: uma em que tinham uma interação com o barista (por exemplo, sorriam, estabeleciam contacto visual ou uma muito breve conversa); outra em que tinham de ser o mais eficientes possível sem essa vertente social (tinham o dinheiro pronto, pagavam e iam embora sem qualquer conversa de circunstância). Os resultados, como certamente calcula, mostraram que a primeira situação foi geradora de maior satisfação nas pessoas e até de efeitos de pertença social.
Apesar das limitações que qualquer estudo tem, este é um exemplo que nos vem alertar para dimensões importantes nas nossas vidas. Neste caso, vem mostrar os benefícios para os sentimentos de bem-estar e de pertença que decorrem de interações sociais no dia-a-dia, mesmo que estas sejam simples, ténues e fortuitas. Numa época de busca pela máxima eficiência e por não perdemos tempo, é sempre útil lembrar isto. Não estamos a falar, naturalmente, de transformarmos os momentos de atendimento em serviços em conversas intermináveis, sobretudo quando há outras pessoas à espera. Mas, como os autores referiram, todos os dias temos a oportunidade de atribuir algum valor social a situações impessoais e beneficiar com isso.
Em início de ano, uma altura muito propensa a votos de transformação pessoal profunda - votos esses que, convenhamos, normalmente se desvanecem e acabam por não se traduzir em comportamento efetivo -, talvez sejam mais práticas mudanças focadas, realistas e que nem sequer dão muito trabalho. Uma boa maneira de começar é tornar situações mais impessoais do dia-a-dia, em que só tenhamos que fazer uma transação, em interações sociais com algum valor, mesmo que mínimo. Não se trata de querer que a senhora do mercado mais próximo seja a nossa melhor amiga (ou BFF, se preferir), mas sim de procurarmos dar um “ar da nossa graça”, para benefício de todos e do clima social. Ainda que não dar a confiança a estranhos seja uma clássica recomendação na infância, falar com desconhecidos na idade adulta, afinal, traz as suas vantagens.