Psicólogos a ouvir menores vítimas de abusos desagrada classe judicial
Está a ser desenvolvido um novo método para ouvir menores, vítimas de abuso, em tribunal. O projeto piloto, que já está a ser implementado na comarca do Porto, sugere que sejam os psicólogos em vez dos juízes a procederem à audição das vítimas.
Isto porque, de acordo com os investigadores, uma análise a 137 entrevistas com crianças dos 3 aos 17 anos permitiu concluir que a maioria das perguntas são de escolha forçada e direcionadas, o que pode contaminar a maioria dos detalhes fornecidos pelas crianças aos juízes e afetar a credibilidade do seu testemunho.
A técnica não está, contudo, a ser bem aceite pela classe judicial e, na Madeira, teme-se estar a confundir funções. Contactado pelo JM, o presidente do Conselho Regional da Madeira da Ordem dos Advogados sublinha que «a Justiça é feita por magistrados e advogados que não podem ser substituídos por qualquer entidade, até porque podem sempre recorrer a todo o tipo de apoio técnico especializado».
Brício Araújo lembra ainda que «é o psicólogo que colabora com o Juiz, com o Ministério Público e com os Advogados» e não ao contrário. A seu ver, este pode ser um «caminho perigoso e absurdo que coloca qualquer pessoa sem preparação jurídica como protagonista da Justiça».
O advogado considera que «a criança deve ser ouvida perante um Tribunal especializado, com condições adequadas, em circunstâncias que evitem qualquer impacto traumático, perante um Juiz com uma formação específica profunda e com especial sensibilidade nesta matéria. Brício Araújo alerta, contudo, para a importância da Justiça «saber escolher as pessoas certas para uma matéria tão sensível, sem obsessões estatísticas de redução de pendência», ciente de que, na área em questão, mais do que ser só um bom técnico, «o Juíz tem ser um grande ser humano».
Fator também destacado pelos psicólogos, que reconhecem a necessidade de recorrer, cada vez mais, à formação e desenvolvimento de todos os agentes, desde os juízes, aos magistrados e aos próprios polícias de investigação, em dimensões de natureza psicológica, cognitiva e comportamental. Áreas em que, de acordo com o presidente da Delegação Regional da Madeira da Ordem dos Psicólogos, «o conhecimento da psicologia e o contributo dos psicólogos são essenciais para uma ação mais eficaz da Justiça».
Renato Carvalho reconhece que «nenhum outro profissional pode substituir os magistrados e os juízes que conduzem o processo», contudo, não duvida que a intervenção do psicólogo no sistema judicial em geral é essencial, ainda que «na qualidade de perito, cuja avaliação e conhecimento técnico apoia o Tribunal». O psicólogo entende esta nova técnica como uma necessidade de «criar as condições para que os testemunhos não sejam enviesados por fatores relacionados, por exemplo, com o estado emocional da criança ou com a indução de respostas, pelo entrevistador, pela forma como a entrevista é conduzida».
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