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Há dificuldades de acertar a ciência com a legislação

JM-Madeira

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Data de publicação
15 Setembro 2021
5:00

"Há de facto dificuldades de acertar o conhecimento científico com a legislação". A frase é de Pedro Ramos mas transversal a todos os intervenientes na abertura do I Congresso Internacional de Bioética. Vem isto a propósito da constatação de que as portuguesas desesperam por legislação na área da gestação de substituição, na qual uma mulher se dispõe a suportar uma gravidez por conta de outra e a entregar a criança após o parto, renunciando aos poderes e deveres da maternidade.

A interligação entre a sociedade civil e quem tem o poder de legislar está (mais) reforçada na Região, com a tomada de posse, ontem concretizada, de Cândida Carvalho como coordenadora do Centro de Estudos de Bioética na Região. O polo, à semelhança do que sucede no todo nacional, pretende-se constituir-se um gigantesco espaço de reflexão, de onde possam sair contributos válidos para o legislador, tendo como fundamento essencial a qualidade de vida e a defesa da família, sendo transversal às mais múltiplas áreas.

A cerimónia decorreu por ocasião da sessão de abertura do I Congresso Internacional de Bioética, organizado precisamente pelo polo regional, e que tem como tema prioritário a ‘gestação de substituição’. Uma área muito complexa, que divide países e, inclusive, com o Tribunal Europeu de Direitos Humanos a patentear enormes dificuldades de análise às inúmeras queixas que lhe chegam, com o organismo a se mostra difuso entre aquilo que poderá ser generalizado como direito à vida, neste acaso específico em que uma mulher se vê na necessidade de recorrer às denominadas ‘barrigas de aluguer’, e a ‘ordem pública’ evocada por alguns Estados. Sendo demasiado redutor abordar a área de intervenção do polo regional à gestação de substituição, Pedro Ramos releva o contributo que perspetiva deste organismo. "Há de facto dificuldades de acertar o conhecimento científico com a legislação, e a finalidade da criação deste centro é proporcionar espaços de reflexão, de discussão destes temas e tentar contribuir para aqueles que têm capacidade de decidir para que essas decisões vão ao encontro das necessidades das pessoas", conforme disse o secretário regional que tutela a Saúde, já à margem das intervenções protocolares da sessão de abertura.

À gestação de substituição, junta "a gestação recíproca, inseminação artificial, injeção intracitoplasmática… temas que terão continuamente que serem discutidos", lembrando que "a nível do País, essa situação está ainda em discussão, assim como muitas outras, e esperamos que o Pais tenha de facto lucidez suficiente para tomar decisões acertadas para temas que interessam às mulheres que enfrentam situações em que não podem ser elas próprias fazer essa gestação".

Recorde-se que em Portugal em 2017 terá havido uma primeira decisão no sentido de validar a gestação substituição, em casos de expressa incapacidade médica, mas um conjunto de 30 deputados recorreu, pedindo a sua inconstitucionalidade, tendo o Tribunal Constitucional em 2018 lhes dado razão, ao abrigo do que considerou ser uma violação de princípios, de dignidade e igualdade.

E desta forma se chega a casos como o de Joana Freire, presidente da Associação portuguesa de Fertilidade, que partilhou com a plateia, de forma emotiva, o seu caso pessoal. Nasceu sem útero, tem 35 anos e "aguardo ansiosamente" por essa legislação, com consciência de que "o tempo não espera por mim". E se, "podemos não ter o milagre da vida, que é gerar, temos o dom do amor". Ou seja, "nós, casais inférteis, temos o direito a escolher e a ter disponíveis opções e não sermos obrigados a recorrer à única alternativa disponível [adoção]", esperando que o fórum a gerar neste congresso ajude à clarividência de quem tem o poder de decisão. Abertura que contou ainda com intervenções de Carlos Costa Gomes, presidente Centro de Estudos de Bioética, que comungou dessa certeza de que a sociedade desconhece "as complicações que possam ter, sob o ponto de vista ético e jurídico, temas complexos como este", enquanto Cândida Carvalho espera que da convergência entre "ética na medicina, direito, filosofia e religião", possa se fazer a reflexão para as melhores decisões. "A Bioética é fundamental para a sociedade ter ferramentas para que se possam criar pontes", disse. D. Nuno Brás também interveio para lembrar que "um filho não é alguém que chega de fora para estragar os nossos planos, é sim um objetivo, um complemento, uma dádiva". Já Rubina Leal, pela ALRAM, considerou que o polo será "importante para a nossa Região", adicionando a "morte assistida, longevidade, ou clonagem", como temas que também requerem esse debate e reflexão pública.

Ireneu Barreto deu exemplos concretos de decisões do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, atestando a divergência entre Estados. "Não há consenso na Europa" e sim, "compreendo a dificuldade de legislação e as dificuldades do TC" em decidir.

Região faz o que pode na fertilidade

Rafaela Fernandes, presidente do SESARM lembrou o papel preponderante que tem a Unidade de Medicina da Reprodução, do Serviço regional e Saúde, que funciona desde 2014 com certificação a partir de 2018, que "vem dar respostas aos problemas de fertilidade", colmatando uma lacuna, pois antes os "casais inférteis tinham de procurar soluções no privado ou em serviços no território continental". Prova da utilidade, estão as "940 consultas" efetuadas no ano do seu arranque, números esses que na atualidade já duplicaram. Pedro Ramos completaria, depois, que a unidade "é responsável por uma série de intervenções na área da inseminação, com cerca de 50 intervenções por ano, e, adicionalmente, enviamos próximo de duas centenas de casais para centros de referenciação no País". Mais do que isso, também a Região, obviamente, terá de aguardar por legislação mais consentânea.

Por David Spranger

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