Turistas e comerciantes não entendem recolher obrigatório no Porto Santo, onde há zero casos de covid-19 e o teste negativo é obrigatório para quem embarca. Jantar num restaurante, por exemplo, já seria muito bom.Por
Iolanda Chaves
São cinco da tarde e já se veem limpezas em restaurantes e cafés no centro da cidade Vila Baleira. Dentro de uma hora, dizem as regras, os estabelecimentos deverão estar fechados. Há esplanadas onde os clientes parecem resistir, ficando mais um bocadinho sentados, até não haver outro remédio se não saírem. Às sete da tarde, é o confinamento geral.
De chinelos e toalha aos ombros, alguns banhistas correm a ver se ainda chegam a tempo de comprar pão para o jantar ou até mesmo algo mais substancial para comerem, em casa ou nos alojamentos onde estão hospedados (no caso dos turistas).
Junto à ‘nova’ rotunda à entrada da cidade (para quem vem do lado do porto), um polícia observa o movimento. Sente-se a pressão.
Enquanto esperam serviço, um grupo de taxistas conversa. Sabem de antemão que não podem esperar muito, pois o movimento é pouco e a hora do confinamento geral começa a aproximar-se de forma galopante. De repente, na cidade onde parece haver tempo para tudo, o relógio parece acelerar.
“Já sou vacinado!”
Até o senhor José dos Reis Leão se viu obrigado a mudar o horário de venda das famosas Lambecas. “Já sou vacinado!” - disse ao JM para início de conversa, acrescentando, com satisfação, que não sentiu nada.
Há mais de 60 anos que serve gelados às dezenas e às centenas aos turistas. “Já cheguei a vender Lambecas até à uma e às duas da manhã, agora é proibido. Se todas as pessoas cumprirem, isto passa, pode demorar, mas passa...”, acredita.
A conversa, um bocadinho dificultada pelas máscaras, é interrompida com a chegada de duas clientes. “Está a abrir?” - pergunta-lhe uma das senhoras. “Não! Estou quase a fechar!” - responde-lhe o octogenário José dos Reis Leão a apontar para o relógio lembrando as regras do confinamento.
Sofia Furtado e Betty Góis, madeirenses, são clientes habituais. Tanto uma como outra têm casa de família no Porto Santo, por isso, é costume passarem férias e fins de semana na ilha dourada.
Praia e paz
No caso de Sofia, a Páscoa não é o período em que tem mais experiência de férias na Vila Baleira, mas este ano, de pandemia, disse ao JM que pensa estar “melhor no Porto Santo do que na Madeira.
“Aqui tenho a praia para aproveitar e esta paz...”, refere, deliciada, enquanto saboreia o gelado de laranja e chocolate, os sabores recomendados pelo dono do quiosque.
Contudo, e admitindo não ser “a pessoa mais apropriada para fazer comparações com outros anos”, arrisca dizer que tem a perceção de que há menos gente.
A amiga, por seu lado, diz-se surpreendida. “Apesar de tudo, pensava que estariam menos pessoas. Estivemos cá há duas semanas e, aí sim, o Porto Santo estava completamente deserto”, sublinha Betty Góis.
“Jantar num restaurante…”
Sofia Furtado dá mais uma achega à conversa dizendo que não percebe a obrigatoriedade do recolher obrigatório “numa ilha onde não há casos e as pessoas que vêm de fora só embarcam com teste negativo”.
“Sabemos dos cuidados que temos a ter, gostaríamos de ir jantar a um restaurante, cumprindo as regras todas. Não faz sentido. O Porto Santo está ótimo. No sábado e no domingo, sinceramente, custou-me ficar em casa a partir das seis [18h00]”, afirma.
Deserto começava a ficar o Largo das Palmeiras, numa hora em que noutras alturas era o momento de encher as esplanadas; como aconteceu, por exemplo, no verão passado em que até o Presidente da República comeu um gelado envolvido por uma pequena multidão.
Apesar de tudo, a praça está ornamentada para a quadra e durante o dia está convidativa, como ‘sala de estar’, que é, e como cenário de fotografias memoráveis, como sempre foi.
Num dos cafés, onde a funcionária preferiu o anonimato, a limpeza avançava a bom ritmo e a esplanada estava vazia. “Não abriram?” – quisemos saber. “Abrimos, mas já está na hora de fechar” – responde. Também ela lamentou o horário de confinamento e a crise por que está a passar a restauração.
Ornamentada, mas vazia
Quase vazia está também a Praça do Barqueiro, à exceção de dois pequenos grupos de jovens e outro de estrangeiros, junto ao areal. No supermercado, fazem-se as últimas compras do dia. Conforme nos disse um porto-santense, “há pessoas de fora que se esquecem que têm de comprar alguma coisa para comer, só se lembram depois de fechar tudo…”.
Ontem de manhã, o Lobo Marinho chegou com 369 pessoas, mas no fim de semana chegou a viajar com mais de 700. Até sexta-feira, há comerciantes que contam ter na ilha mais clientes. Outros, dependendo da área de negócio, não se queixam assim tanto, como foi o caso de uma comerciante que admitiu ter feito boas vendas… em ‘raspadinhas’ e outros jogos. Já na casa de artesanato, a realidade é outra.
Por volta da hora do almoço, os banhistas foram se espalhando pela praia. A temperatura, a 21 graus, e o céu, por vezes pouco nublado, convidavam a estender a toalha no areal que, de tão extenso, permite, sem dúvida, cumprir o distanciamento.
“O horário é curto”
Na Calheta, enquanto recolhia a esplanada, por volta das quatro e meia da tarde, Tiago Monteiro também confirmou ao JM que o movimento turístico está fraco e manifestou expectativa “ainda que pequena” de um “crescimento gradual” até domingo.
“O horário também é curto. Durante a semana temos de fechar até às seis horas e ao fim de semana até às cinco. Não há grande margem para podermos trabalhar. Começamos às 10, mas o horário é curto”, salienta.
No que respeita às condições do tempo, é o de sempre, no Porto Santo, quente, sempre bom. “O que é preciso é termos clientes para podermos trabalhar”, afirma.
“Segura e um paraíso”
Quanto aos clientes, são sobretudo pessoas que têm casa no Porto Santo e alguns madeirenses em família, como é o caso de Pedro Novais e Paula Gouveia que juntamente com o filho estão a aproveitar uns dias de descanso na ilha dourada.
“Às vezes vamos ao continente, porque eu só de lá, mas este ano optámos por fazer férias também cá dentro, mas no Porto Santo, uma ilha que é segura, é um paraíso e sempre ajudamos a nossa Região”, considera Pedro Novais, que a viver na Madeira, há 14 anos, companheiro de uma madeirense e pai de um menino natural da ilha se diz também madeirense.
O casal era para ter viajado no domingo, mas por causa do apagão desistiram da viagem à última hora. “Ficámos assustados, liguei para a Porto Santo Line e eles foram atenciosos, disseram que compreendiam e fizeram a mudança”, disse Paula Gouveia.
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