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Alberto João Jardim: “Momento histórico para um novo grande acordo”

JM-Madeira

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Data de publicação
28 Março 2021
12:04

Antigo presidente do Governo, Alberto João Jardim é o primeiro obreiro da autonomia da Madeira. Em entrevista ao JM, integrada no projeto Causa Autonomia, Jardim identifica cinco temas a negociar com Lisboa: mais autonomia; resolução do problema de dívida pública articulado com dívida histórica; sistema fiscal próprio; fundos europeus e finanças regionais; e CINM.

Por Agostinho Silva e Alberto Pita

Deixou a primeira linha da política madeirense há cerca de seis anos. Considera que o processo autonómico que iniciou sofreu algum retrocesso neste tempo? Está confortável com aquilo que sente e vê nos dias de hoje?

Eu não vou chamar a mim louros que não tenho. Eu não iniciei o processo autonómico. Primeiro, são reivindicações históricas, como diz a própria Constituição.

Mas vamos ver se consigo explicar porque entre 1974 e 1976 se conseguiu, finalmente, depois de cinco séculos e meio, conquistar uma autonomia política.

Nós, os autonomistas madeirenses, compreendemos que em 1974 e 1975 o Estado estava fraco. Um processo autonómico tem de ter duas estratégias: primeiro, aproveitar os momentos de fraqueza do Estado, e, segundo, ter o que em linguagem estratégica se chama de projeção de força.

Como se estava a redigir uma nova Constituição, fizemos toda a força para que ficasse consagrada a autonomia, mas legalmente a autonomia resulta da Constituição de 1976 que, como eu venho dizendo, não é a autonomia que nós queríamos; é uma autonomia muito menorizada.

As coordenadas dos autonomistas madeirenses foram estas: ninguém quer a independência, nós não somos separatistas. Nós somos portugueses, o nosso projeto é dentro da República Portuguesa, mas queremos ter um sistema de acordo com a vontade representativa e democrática do parlamento da Madeira.

Como era feita a política nessa altura e como se organizavam as estruturas políticas?

Primeiro começou-se por um debate público, em que a comunicação social tinha um papel relevante. O Jornal da Madeira foi beneficiado por, do outro lado, estar um diário que entendeu colar-se ao Conselho da Revolução e, de certo modo, ao próprio Partido Comunista.

O Partido Socialista cometeu uma indigência política histórica, que foi entender que servia melhor os interesses do seu partido combater a autonomia do que propriamente ser autonomista.

E é preciso conhecer a sociologia da Madeira. Houve sempre um setor capitalista na Madeira que entendia que não lhe era bastante o domínio financeiro do arquipélago, mas era também necessário o domínio político. Tanto que quase todos os políticos do Estado Novo, tirando as exceções mais ligadas ao setor Católico, estavam ligados aos grandes grupos britânicos. E havia quem não quisesse separar o poder económico do poder político.

Mas, para nós, os autonomistas que fundámos o PSD, desde o princípio era fundamental separá-los. Foi isso que, de certo modo, prejudicou o PS.

Como é que derrubou isso?

Eu não derrubei nada. Tive de lhes fazer frente.

Tudo isto criou um manto de condições para que, de certo modo, a luta pela autonomia conseguisse credibilidade das grandes massas populares.

Foi com base nestas massas populares e depois aproveitando os instrumentos como a criação do PSD, cujos grandes princípios eram democracia, autonomia e socialização.

A política fazia-se então de uma forma diferente. A Madeira estava muito atrasada. As pessoas não tinham a qualidade de vida que têm hoje. As pessoas não estavam emburguesadas e por não o estarem, lutavam por causas. E foi fácil assim, porque quem luta por causas não está a olhar a dinheiro, tacho, nem a outros empregos para a cunhada e para a tia.

Uma das bases fortes do sucesso da luta autonómica foi a divisão dentro do PS sobre a autonomia e a confusão com os grandes interesses financeiros e, do nosso lado, sermos um partido de causas. Hoje, os partidos são mais corporativos; hoje talvez não se lute tanto por causas.

Daí talvez a estratégia que eu tinha antes, de projeção de força, transformou-se agora num claudicar de revindicações, por assim dizer, paroquial, autárquica, etc..

O que é que eu chamo de estratégia de projeção de força? Nós não podemos deixar que a luta política seja só dentro do nosso território, que é o que está a suceder agora. Nós íamos lá para fora, intervínhamos na política nacional com base em grandes questões nacionais, fazíamos a vida negra aos nossos adversários e obrigávamos a negociar.

É por isso que gostaria de ver Miguel Albuquerque candidato a Presidente da República?

Sim, aliás, ele sabe que eu lhe disse isso. Desde o primeiro dia que ele falou nessa intenção, eu o apoiei, porque era uma forma de passarmos, de novo, a uma estratégia de projeção de força.

Voltando aos primórdios, assume sem qualquer complexo que utilizou o jornal e o jornalismo como um instrumento político?

Não foi isso. Beneficiei de ser diretor do Jornal da Madeira, mas o que eu fiz lá foi sob a estrita observância das orientações que o senhor D. Francisco Santana, bispo do Funchal, me dava.

Qual era a sensibilidade autonómica de D. Francisco Santana?

O D. Francisco Santana era absolutamente a favor a tudo o que fosse valorização da pessoa humana, porque a autonomia é uma dignificação das pessoas que estão num determinado território.

Dou-lhe um exemplo que na Constituição ainda está lá escrito que quem tem a responsabilidade sobre a Saúde e a Educação é o Estado. Entretanto, regionalizou-se e não nos deram o dinheiro que correspondia à responsabilidade do Estado.

E pediram, na altura?

Sim, nós pedimos. Então podem dizer, porque é que você não esperou? Não esperei por uma razão muito simples. Se eu tivesse esperado que o Estado pagasse ao mesmo tempo que as competências eram transferidas ainda hoje não havia o ensino secundário na Camacha, nem havia centros de saúde em todas as freguesias da Região.

A política é aproveitar oportunidades e correr riscos, e eu aproveitei-as. Eu sabia muito bem que isto ia dar lugar a uma forte dívida pública, mas eu tinha que escolher: os madeirenses viverem nas mesmas condições de há 40 anos - e que eu saiba até hoje ninguém bateu à porta de nenhum madeirense para lhe pedir dinheiro para pagar a dívida - ou então avançava-se a dívida e depois negociava-se.

Já que fala na dívida, eu pergunto-lhe sobre a dívida da Região. Quando saiu da presidência, andaria próxima dos seis mil milhões de euros…

… Estava nos seis mil milhões, hoje dizem-me que está nos quatro mil milhões. Portanto, não era assim uma coisa tão grave, se em tão pouco tempo já pagaram dois mil milhões. Não estou a ver onde é que está o mal.

Deus me livre e Deus livre a Madeira se não se tivesse feito a dívida.

Sob a sua presidência, o PSD e o Governo da Madeira seguiram um caminho. Nunca contou, sobretudo nessa fase inicial, com os Açores. Foi estratégia?

Não, faça justiça. Primeiro beneficiámos de o Mota Amaral ter já uma posição em Lisboa antes do próprio 25 de abril. O Mota Amaral fez parte da ala liberal. Portanto, já tinha um pé lá. A tal projeção de força. E ajudou-nos muito como eu muitas vezes ajudei os Açores.

Quem estragou tudo isto foi o problema da doutrinação jacobina, que é a ideologia do PS. O senhor César resolveu quebrar até os acordos políticos que tinham sido assinados publicamente nas várias cimeiras que se faziam entre os Açores e a Madeira e resolveu fazer guerra política à Madeira para cumprir instruções do PS.

Gostaria de recuar um pouco para a questão de a Madeira ter perdido voz no continente, ao assumir uma estratégia diferente daquela que sempre adotou.

Ela foi claramente diferente nos dois primeiros anos do atual governo. Os dois primeiros anos do atual governo foram um desastre. Entre 2015 e 2017.

Mas também coincidiram com o período do PAEF.

Quando saímos do Governo, em 2015, o Produto Interno Bruto já estava a crescer outra vez. De maneira que não me venham com essa história. E nós apanhámos o pior período.

Pôr a Madeira fora do programa de auxílio financeiro da União Europeia a Portugal e fazer um plano especificamente para a Madeira foi uma das maiores sacanices políticas que se fez à Madeira.

Então acha que depois dos dois anos iniciais do Governo Regional…

… Depois de dois anos, felizmente, o presidente do governo atual teve o bom senso de fazer uma remodelação de governo e o bom senso de criar outros critérios para a vida interna partidária e quanto mais ele se for afastando do chamado núcleo duro dos chamados Renovadinhos, estou convencido que mais eficiente e mais acertada será a política da Madeira.

Alguma vez se sentiu hostilizado pelo próprio partido logo após a sua saída?

Sabe, se eu me sentisse hostilizado era estar a dar categoria demais a pessoas que me pretendiam hostilizar. Eu até me fui rindo, porque quando se vai ao ponto de fazer desaparecer na Internet e noutros documentos tudo aquilo que eram obras, inaugurações, coisas do Governo Regional anterior, isto é nitidamente um auto-da-fé da Inquisição.

Foi com humor que anunciou várias vezes que estava de saída?

Se calhar, foi estratégico. Vou-lhe dizer porque não saí mais cedo. Por dois motivos. Primeiro, eu pensava que ia ser uma pera doce a minha substituição. E, portanto, estava a fazer contas à vida. De repente, começo a ver mexidas e mais mexidas, grupinhos e mais grupinhos dentro do partido, e entrei em pânico. Não, entrar em pânico é um pouco forçado, mas fiquei preocupadíssimo. Vi que não tinha solução de consenso. Tive esperança de com tempo poder chegar a uma solução de consenso.

Mas pergunta-me: então porque você em 2011 ainda concorreu? Em 2011 concorri porque seria a coisa mais feia do mundo, na altura em que ia ser mais duro governar por causa do plano imposto pelo Passos Coelho, eu virar as costas e ir-me embora. E em segundo lugar porque não estava para fazer a vontade ao Passos Coelho. Não tem categoria para eu lhe fazer a vontade.

Relativamente à relação com o Governos da República, houve algum que tivesse sido particularmente duro de lidar? Os socialistas foram sempre os mais fáceis...

Não, foi difícil com o Dr. Mário Soares, apesar do grande respeito que eu tenho por ele. O Dr. Mário Soares, que era um político de alto gabarito e tinha a tal doutrina jacobina do PS, percebeu que a nossa estratégia na Madeira ia render PSD por muitos anos, e tentou obstaculizar.

Para ver como a tal estratégia de projeção de força dá resultado, a certa altura, havia momentos de aliança entre mim e ele. Até houve contra o próprio Freitas do Amaral.

Mas ele era muito, muito rígido no tocante a deixar desenvolver a autonomia. Em termos constitucionais e de estatuto, foi talvez o indivíduo mais duro em não deixar avançar.

Qual foi o que compreendeu melhor o processo autonómico?

Curiosamente, não foi um primeiro-ministro socialista. Foi um ministro das Finanças socialista. Foi o professor Sousa Franco. Que fez esta lei das finanças regionais.

O engenheiro Guterres era um pouco um técnico de ideias gerais. Repare que ele nas Nações Unidas não consegue resolver um único problema que seja, mas tinha de facto esse fantástico ministro das Finanças.

Com o engenheiro Sócrates, nós nem falávamos. A coisa foi muito agreste no princípio. Depois da aluvião, criámos uma certa relação de bom entendimento, e no fim do mandato dele, ele até já combinava coisas comigo às escondidas do ministro das Finanças porque eles, entretanto, tinham brigado e não se falavam.

Eu conhecia relativamente bem o Dr. António Costa porque fomos colegas no Comité das Regiões, em Bruxelas, durante quatro anos. E, para mim, foi um choque quando o vejo primeiro-ministro – não foi vê-lo primeiro-ministro, até fiquei satisfeito vê-lo primeiro-ministro, confesso que o preferia ao Passos Coelho -, mas eu não esperava que ele fosse tão azedo com a Madeira como foi nestes anos que está como primeiro-ministro. Chocou-me mesmo a maneira como ele tem tratado a Madeira. O que ele fez à Madeira é inadmissível.

Na discussão mais recente da revisão do estatuto, eu notei que não concordava com o rumo que as coisas estavam a levar.

O que tenho dito a várias pessoas e de várias cores políticas é que isto chegou a um momento em que havendo a crise que vai, está na altura de voltar ao tempo da projeção de força. E está no tempo de negociar com Lisboa. Mas para isso temos de chegar a acordo aqui na Madeira.

Se nos apresentarmos em Lisboa a dizer que é a vontade da coligação de governo, eles respondem hoje estão os senhores, amanhã podem estar outros. E depois? Mas se nós conseguirmos sentar-nos aqui na Região e se o PS e o PSD chegarem a acordo sobre cinco temas, que são mais autonomia; resolução do problema de dívida pública articulado com dívida histórica; sistema fiscal próprio; fundos europeus e finanças regionais; e Centro Internacional de Negócios, penso que, pelas informações que tenho, haverá neste momento disponibilidade em Lisboa tanto do lado do PSD como do PS para conversar.

Portanto, penso que o momento atual é histórico para se tentar um novo grande acordo com a República.

Se o primeiro-ministro está disposto a conversar, eu não acredito que venha do Presidente da República obstrução. Isso então seria o fim da macacada.

Para isso, é preciso conversar e que não seja na praça pública. É preciso criar um núcleo que funcione com discrição.

Neste momento, a esquerda caviar não tem o poder no PS e, portanto, esta é uma boa altura.

Acha que Paulo Cafôfo pode ser uma peça fundamental para que haja um entendimento na Madeira?

Eu tenho uma semelhança com o Dr. Paulo Cafôfo. É que a esquerda caviar não gosta de nenhum dos dois. E devo dizer que o Dr. Miguel Albuquerque concorda efetivamente com isto tudo que eu acabei aqui de dizer.

Como sabe, a lei de finanças regionais é para as duas regiões. Não é necessário conversar com os Açores?

Desculpe, eu discordo dessa metodologia. Em nenhum preceito constitucional você tem lá inscrito que o que for para uma região tem de ser para a outra.

A Madeira e os Açores são duas realidades completamente diferentes. O povo dos Açores não pode ficar amarrado ao que o povo da Madeira quer, nem o povo da Madeira pode ficar amarrado ao que o povo dos Açores quer. É um risco insistir neste princípio da igualdade entre os dois arquipélagos.

Portanto, do seu ponto de vista, faz sentido existir uma Lei de Finanças para cada região.

Como há o Estatuto da Região Autónoma a Madeira e o Estatuto da Região Autónoma dos Açores. Porque é que há de haver uma lei das finanças regionais para os dois? Não percebo.

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