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Artigo de Opinião

GATEIRA PARA A DIÁSPORA

27/09/2022 08:00

Tendo sido realizado no mesmo dia em que Ursula Von der Leyen fez o discurso do Estado da União, na presença da primeira-dama ucraniana e de duas mulheres polacas que logo no início da guerra conseguiram reunir cerca de três mil pessoas para acolher os requerentes de asilo ucranianos, estes títulos ganham outra dimensão. A presidente da Comissão Europeia discursou no hemiciclo do Parlamento Europeu, em Estrasburgo, onde dias depois se celebrava a rentrée literária francesa através do festival Bibliothèques Idéales (Bibliotecas Ideais). Neste festival, ouviram-se, por exemplo, Léonora Miano - se puderem, ouçam-lhe a voz -, autora de Stardust (Poeira de Estrelas). O livro, escrito há mais de vinte anos mas que só agora vê a luz do dia pois a escritora, que agora goza de popularidade, não queria que esta fase muito difícil do seu percurso em França a definisse. É aí revelado o período da sua vida, então com vinte e três anos, em situação irregular e sem domicílio, tendo sido acolhida com a sua filha, num centro de reinserção e alojamento, onde convivem as margens da sociedade. No preciso lugar onde discursou a presidente da Comissão, dois estudantes de um liceu de Estrasburgo leram excertos da poeira de Léonora, desse «não lugar» onde habitava, dessa «vida dos precários», que não deveria rimar com não vida. Se puderem, ouçam-lhes a voz.

O realizador de cinema Jean-Luc Godard (JLG) resolveu (literalmente) deixar-nos. O destino fez com que, nesse mesmo dia, o Comité Consultativo Nacional de Ética francês tenha publicado o seu parecer sobre o «auxílio activo a morrer» e tenha aberto a porta, após o preenchimento de determinados requisitos, a essa possibilidade. Por ocasião da morte de JLG, o jornal Libération ofertou-nos duas fotografias a preto e branco do cineasta na capa e na contracapa. Nessa edição, o realizador francês Leos Carax afirmou que, até prova em contrário, não foi JLG que faleceu, mas nós. Por isso, precisamos de renascer, voltar a abrir os olhos e os cinemas.

Com o Libération na mochila, deixo o local de trabalho enquanto uma chuvada se abate sobre nós. Chego à paragem desabrigada do autocarro e um vulto feminino que esperava do outro lado da estrada atravessa-a de rompante para o local onde estou. Pergunto-lhe se quer guarida por debaixo do guarda-chuva, ela agradece, já meio encharcada, e falamos. Contudo, não lhe perguntei o nome. Em Prénom Carmen, diz-se «O que é que vem antes de nós? O nome próprio». Chego a casa e vejo que a capa do jornal tinha ficado molhada devido à partilha do guarda-chuva. Abro o jornal e ponho Godard a secar, mas ficou um traço sobre o seu nome na capa. Como teria ele filmado aquela cena?

Na abertura da 77.ª Assembleia Geral da ONU, ouvimos Guterres alertar-nos para os grandes desafios que o mundo enfrenta (demasiados para listar aqui), mas incoar o discurso com a imagem do barco com pavilhão da ONU transportando cereais ucranianos, através de uma zona de guerra, para o Corno de África dá-nos esperança e demonstra o que as Nações Unidas podem fazer quando as nações estão unidas. Ouçamos-lhe a voz.

No Irão, ainda se morre por causa de uma mecha - gostaria de ter ouvido a voz de Mahsa Amini - ou pode morrer-se por causa do que se escreve, e, em Itália, o fascismo morreu (?), viva o «post-fascismo» (?).

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