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Artigo de Opinião

25/06/2022 08:00

A caridade, abençoada religiosamente, funcionava na convivência social como o reverso da inexistência de direitos mínimos e de afirmação e tutela da dignidade humana de quem vivia em patamares de pobreza e indigência. O que o poder e os abastados sacrificavam em direitos de personalidade, cívicos e laborais, era assumido em contrapartida mínima e de boa vontade através de actos caritativos individuais ou de beneficência associativa. O que animava os corações de donas de casa ociosas e abastadas não era um qualquer sentido de justiça ou imperativo de igualdade, mas a mera comiseração que oferecia o esmolar como um acto de redenção na esperança da salvação. Era comum as senhoras caridosas terem o seu pobre do sábado que vinha certeiramente em busca de comida, roupa velha ou dinheiro.

Já no Portugal democrático e tantos anos depois de Abril e do monstro burocrático que o Estado criou para cuidar dos carecidos de respostas sociais, continua a haver números intoleráveis de pobreza, ainda que alguma esteja amparada no submundo da economia paralela e da criminalidade.

Choca-me que se regozije com as campanhas dos bancos alimentares e a dimensão da dádiva, onde até o homem dos afectos faz a sua encenação popularucha, como se aquilo não significasse uma carência que nos devia fazer ruborizar de vergonha e um clamoroso fracasso do Estado Social de que deviam cuidar as sociais-democracias contemporâneas.

E choca-me que se use a carência alheia para exibições descaradas de putativas benquerenças, como as iniciativas privadas que à pala de encapotadas razões publicitárias ou de benefício fiscal sujeitam as pessoas a uma humilhação pública. Como acontece na sequência das intempéries, onde uns espertalhaços se chegam à frente com uma magnanimidade venenosa e interesseira, com cartazes representativos de cheques, quais programas de entretenimento televisivo, que os desditosos agradecem sorridentes para a fotografia.

E coro de vergonha alheia quando os agentes dos órgãos do Estado sujeitam os carecidos a actos públicos indignos e miseráveis de exposição da sua vulnerabilidade, humilhando as suas necessidades em exibições teatrais. As pessoas sujeitam-se ao folclore da imagem na entrega de chaves, cheques ou outras coisas ou vantagens, por necessidade, ignorância e temor reverencial, numa humilde gratidão, como se as façanhas dos actores no palanque não fossem afinal e tão só o cumprimento do serviço público para que foram mandatados.

O melindre da pobreza e da carência exige respeito e recato e não um alardear público procurando retirar dividendos engrandecedores de uma posição política ou de gestão, como se se tratasse de um favor ou acto de boa vontade pessoal, quais antigas donas de casa caridosas, a agradecer efusivamente pelos injustiçados da vida.

Ninguém é pobre ou carecido porque quer e as vicissitudes da vida que levam as pessoas a ter necessidades não as privam do orgulho pessoal e do respeito que a sua dignidade humana e social deve merecer.

A pretensa superioridade que menoriza os outros como coisa carecida de uso descartável é, em si mesma, a maior menoridade de todas.

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