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Artigo de Opinião

GATEIRA PARA A DIÁSPORA

19/01/2021 08:10

Logo surgiria a pergunta sobre como é que ele conseguiu ter tempo para escrever um livro em plena crise pandémica. Detenhamo-nos na sua resposta: «Quando se é confrontado com uma crise de tal maneira estrutural como esta, é melhor reflectir para saber o que daí pode advir, que perturbações geopolíticas, que escolhas estratégicas… É necessário dar-se o tempo para reflectir, e saber dar-se o tempo de parar. […] E a minha maneira de reflectir é a escrita». Por outro lado, lembro-me também de uma entrevista da ministra francesa da Cultura, Fleur Pellerin, em 2014, em que dizia que não tinha tempo para ler literatura. Neste mundo cronofágico, em que de repente «parámos», vale certamente a pena dar-se o tempo de reflectir. Contrapor ação e reflexão não só não é muito inteligente como é pernicioso. Tenhamos então a audácia de parar e reflectir. O mundo agradecerá.

Numa outra emissão radiofónica a que me acostumei aos sábados de manhã, «Encontros Imediatos» de João Gobern e Margarida Pinto Correia na Antena 1, ouvi Bagão Félix, ex-ministro das Finanças e da Segurança Social, falar sobre a importância de nomear os seres vivos. Segundo ele, «quantas mais pessoas puderem saber o nome da árvore que está em frente da sua casa, melhor seremos», no âmbito de uma ética não antropocêntrica pela qual propugna. Na voragem dos números da pandemia, parece-me também importante darmo-nos tempo, procurar e repetir o nome da senhora da cama 10, saber se faz jus ao número de goleadora, ou se gosta mais de jogar à defesa. No decurso do jogo que é a vida, percebemos que ora nos posicionamos mais à frente e ora mais atrás. Contudo, não podemos deixar de pensar nesses distribuidores de jogo que são os profissionais de saúde. Respeitar as regras e lavar as mãos não é só uma canção que se ouve na rádio, é sobretudo um manual de sobrevivência. É conhecido o pensamento de Levinas sobre o rosto, onde se vislumbra essa obrigação de solicitude para com o outro. A importância de vislumbrar o rosto do outro, numa época de rostos tapados, transvasa para o nome, a continuação do rosto. Espero ainda ver a senhora da cama 10 a voar como o Jardel sobre os centrais, como cantava o Rui Veloso com a bonita letra de Carlos Tê, e a marcar golos. Quando tudo isto acabar, teremos de arranjar maneira de celebrar aqueles que nos deixaram e que estivemos impossibilitados de acompanhar: haverá dúvidas que serão os artistas que nos ajudarão a fazê-lo? Eles cuidam de nós, mesmo quando os espaços culturais estão encerrados visto a cultura não ser considerada como um «bem de primeira necessidade». A nossa comunidade também tem de saber cuidar deles.

Estamos em fase de campanha - e até de votação - eleitoral. Espero que a República Portuguesa saiba, num futuro próximo, dar uma resposta cabal ao exercício do direito de voto, em Portugal e no estrangeiro, bem como, em conjunto com a Região Autónoma da Madeira, dar uma resposta aos emigrantes madeirenses, que estão coibidos de votar para a Assembleia Legislativa Regional. Deixo aqui um repto: cumpram, os que possam, o vosso dever cívico, mas não votem no eucalipto: pode dar a ilusão de um ganho rápido, mas empobrece tudo à sua volta e deixa marca no ecossistema.

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