Cerca de 15 segundos
Tudo fazia crer que seria um final de dia calmo, como tantos outros. A dada altura apercebi-me de um ruído constante e de uma inusitada oscilação. Demorei dois ou três segundos a ganhar consciência de que se tratava de um sismo. Os segundos seguintes foram passados a dar indicações a quem estava comigo, que podem ser resumidas a um autoritário "todos para baixo da mesa". E quando já lá estávamos, debaixo da mesa, tive consciência de que já se teriam passado mais de dez segundos.
Ainda o sismo se fazia sentir, e já eu estava tomado por um sentimento de vulnerabilidade. Não conseguia parar de pensar que, sendo a engenharia sísmica uma das áreas da engenharia civil em que me fui especializando ao longo de vários anos e uma das matérias que leciono, sendo por isso um assunto sobre o qual reflito frequentemente, só após cerca de quinze segundos tinha a minha família em situação de segurança mínima. Esta é a força de fenómenos naturais como o que sentimos no início de março: põem a nu a fragilidade da nossa condição humana.
Felizmente, a Madeira é uma região de baixa sismicidade, consideravelmente inferior à das zonas centro e sul do território continental, e à dos Açores, mas não é uma zona de sismicidade nula. Apesar da crença, que se foi generalizando, de que “a Madeira não tem sismos", este evento causou danos pontuais em edifícios, ainda que ligeiros, e provocou quedas de blocos rochosos. E há registos de sismos anteriores que resultaram em danos mais significativos.
Para avaliarmos estas questões é preciso ter presente que a escala temporal da atividade sísmica não é de dias, nem de meses, nem sequer de décadas. A aplicação dos regulamentos para verificação da segurança de estruturas revela frequentemente que essa ação não deve nem pode ser desprezada, não deixando de surpreender que a regulamentação europeia sobre esta matéria não preveja para a Madeira um sismo da natureza do sentido em março.
Colocando tudo isto em perspetiva, devo reforçar a ideia de que não há qualquer motivo para alarme, mas algum trabalho de prevenção deve ser feito, nomeadamente nos campos da avaliação e da divulgação.
Juntamente com outros colegas da Universidade da Madeira, integro a equipa de investigadores de um projeto europeu, no qual estão envolvidas outras instituições nacionais (como o Instituto Superior Técnico e o Laboratório Nacional de Engenharia Civil) e de outros países (como Reino Unido, França e Espanha), centrado na temática dos riscos geológicos. O projeto, assente no conceito de ciência cidadã, pretende avaliar o potencial do envolvimento dos cidadãos, através da utilização de aplicações móveis e de equipamentos a disponibilizar em pequenas comunidades locais, para fortalecer sistemas de gestão de riscos à escala das regiões.
São vários os tipos de risco focados no projeto referido, desde a queda de blocos rochosos, passando pelo deslizamento de massas e incluindo inundações rápidas. Junta-se ainda o risco associado à atividade sísmica, através de avaliações de perigosidade com base em informações fornecidas pelos cidadãos.
Encurtando distâncias entre ciência e cidadãos, a abordagem referida permitirá validar processos que trazem a todos a oportunidade de participar ativamente na realização de investigação científica. Ficamos todos a ganhar: os investigadores, porque contam com o valioso apoio da comunidade, gerando canais diretos de divulgação; os cidadãos, pela experiência e pelo conhecimento que adquirem enquanto contribuem ativamente para o aumento da segurança das comunidades em que se inserem. Talvez esse envolvimento permita, por exemplo, que num próximo evento sísmico mais pessoas tomem decisões acertadas e demorem menos de quinze segundos a se protegerem.