O Tribunal da Relação do Porto julgou improcedente o recurso interposto pelo Ministério Público na sequência da absolvição do presidente da Câmara do Porto, Rui Moreira, no caso Selminho, revela a decisão a que a Lusa teve hoje acesso.
Rui Moreira foi julgado pelo crime de prevaricação, acusado de favorecer a imobiliária da família (Selminho), da qual era sócio, em prejuízo do município do Porto, no litígio judicial que opunha a autarquia à imobiliária, que pretendia construir um edifício de apartamentos num terreno na Calçada da Arrábida.
No recurso apresentado, o Ministério Público (MP) reiterou que Rui Moreira quis beneficiar a imobiliária Selminho, insistindo na condenação do autarca e na perda do atual mandato.
Na decisão datada de quarta-feira, e a que a Lusa teve hoje acesso, os juízes do Tribunal da Relação do Porto concordaram em "julgar improcedente o recurso interposto pelo Ministério Público".
"Não obstante o arguido estar impedido de outorgar a aludida procuração por haver um eventual conflito de interesses, uma vez que tinha ligações pessoais/familiares à autora Selminho, já não resultou provado que o arguido tivesse tomado qualquer decisão sobre o destinos da ação que corria termos no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto ou que a transação judicial e o compromisso arbitral tivessem ocorrido por determinação e segundo as instruções do arguido", lê-se no documento.
Os juízes acrescentam ainda que os factos dados como provados não preenchem "o crime de prevaricação".
Na decisão, os juízes referem que, no recurso apresentado pelo MP, "as passagens indicadas, assim como a prova documental trazida à colação, não impõem diferente convicção [da tomada em primeira instância], porquanto a decisão da matéria de facto está devidamente sustentada na pormenorizada apreciação crítica da prova produzida".
Segundo os juízes da Relação, o MP não indicou "provas que imponham uma alteração da matéria de facto", limitamdo-se "a fazer a sua leitura da prova produzida, extraindo as suas ilações dos procedimentos do município".
"Em conclusão, o recorrente não aponta erros de julgamento, questionando apenas a convicção formada pelo tribunal recorrido, pretendendo que ao arrepio da prova testemunhal produzida em audiência de julgamento a que o tribunal 'a quo' atribuiu credibilidade, este tribunal 'ad quem' proceda a um segundo julgamento e crie uma nova convicção, aderindo às 'perplexidades' ou 'estranhezas' manifestadas pelo recorrente", acordam os juízes.
Em primeira instância, cuja decisão foi conhecida a 21 de março, não ficou provada a "intervenção direta [de Rui Moreira], ou por interposta pessoa", que visasse a "condução ou instrução" do processo, por parte do presidente da câmara junto dos funcionários municipais, que, acredita o tribunal, agiram sempre na "salvaguarda dos interesses do município".
Para o Tribunal de São João Novo, "a única intervenção" de Rui Moreira no processo foi ter passado, em 28 de novembro de 2013, poucas semanas após tomar posse, uma procuração com poderes especiais ao advogado Pedro Neves de Sousa, depois de aconselhado pelo então seu chefe de gabinete, Azeredo Lopes.
A procuração forense serviu para o advogado Pedro Neves de Sousa representar a autarquia na audiência prévia de 10 de janeiro de 2014, no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) do Porto, onde começou a ser negociado o acordo com a imobiliária, que tinha avançado com uma ação judicial neste tribunal contra o município.
O acordo final com a Selminho previa o reconhecimento da edificabilidade do terreno em causa, através da revisão do Plano Diretor Municipal (PDM) em curso, e até 2016, ou se isso não fosse possível, indemnizar a Selminho num valor a ser definido em tribunal arbitral, caso houvesse lugar ao pagamento de alguma indemnização.
Os procuradores do MP alegava, que o município alterou a sua posição face às pretensões da Selminho, depois de Rui Moreira assumir o cargo de presidente da Câmara do Porto, acrescentando que o advogado Pedro Neves de Sousa agiu segundo "instruções" do arguido, no sentido de chegar a um acordo vantajoso para a Selminho.
Na decisão da Relação, hoje conhecida, os juízes consideram que não tem fundamento a conclusão do Ministério Público de que a ação "sofreu uma mudança de rumo desde a outorga da procuração pelo arguido", defendendo que "muito antes de este ter tomado posse como presidente da Câmara do Porto já tinha havido a suspensão da instância e pretensão da Selminho foi equacionada em termos de alteração do PDM".
"Ouvidos na íntegra os depoimentos prestados em audiência de julgamento (...) as testemunhas que tiveram intervenção no processo administrativo no âmbito dos departamentos municipais e nos processos judiciais em que eram partes a Selminho, enquanto autora, e o município do Porto, enquanto réu, foram unânimes em afirmar que nunca, de modo direto ou por interposta pessoa, foram abordadas pelo presidente da Câmara, ora arguido, no sentido de influenciar a posição do município quanto à pretensão da Selminho", salientam.
O coletivo conclui também não ter existido, a partir da outorga da procuração por Moreira, "uma alteração de posicionamento da Câmara Municipal do Porto quanto à pretensão da Selminho, tendo sido sempre equacionada a possibilidade de um entendimento, inicialmente em sede de alteração do PDM e mais tarde, apenas em sede de revisão deste".
"Não há qualquer testemunha que tenha tido intervenção nos processos em que eram partes a Selminho e o município, que afirme que o arguido [Rui Moreira] deu instruções, orientações relativamente à ação (...) ou sugerindo os termos da transação na mesma celebrada. Tão-pouco os documentos existentes nos autos evidenciam qualquer ordem ou instrução do arguido em relação à referida ação a correr termos no tribunal administrativo", acrescentam.
Para os juízes da Relação, "os esclarecimentos e explicações que o arguido [Rui Moreira] apresentou em audiência onde justificou a razão pela qual outorgou aquele documento afiguraram-se credíveis, razoáveis e consistentes, tendo sido, além disso, corroborados pelos depoimentos das testemunhas Azeredo Lopes e Pedro Neves de Sousa. Salienta-se a este propósito que a circunstância do arguido recorrer ao aconselhamento junto do seu Chefe de Gabinete, professor de Direito, sobre se deveria ou não assinar uma procuração em que os seus familiares tinham participação directa é claramente reveladora da ausência de qualquer intuito por parte do mesmo de intervenção ou condução do processo em benefício da Selminho e em prejuízo do município".
Lusa