Uma "quantidade significativa" de vítimas de abusos no seio da Igreja decidiu testemunhar por considerar "revoltantes" notícias como as das declarações do Presidente da República em outubro de 2022, segundo o relatório da comissão que estudou os abusos.
Num comentário feito a 11 de outubro de 2022 sobre um balanço das denúncias validadas pela Comissão Independente para o Estudo dos Abusos de Menores na Igreja, Marcelo Rebelo de Sousa disse não ter ficado surpreendido com os dados, considerando que as 424 queixas não eram um número "particularmente elevado".
Mais tarde, mas no mesmo dia, o Presidente esclareceu que o número de testemunhos "não parece particularmente elevado face à provável triste realidade, quer em Portugal quer pelo mundo".
Face à pergunta do inquérito realizado pela comissão sobre o porquê de dar o seu testemunho, o relatório divulgado na terça-feira refere que "houve uma quantidade significativa de pessoas abusadas que decidiram fazer o seu testemunho perante notícias que, em certos momentos, incluíram declarações de diversas figuras públicas que as deixaram "incrédulas", considerando-as "insultuosas", "revoltantes" e "inadmissíveis".
Entre as respostas citadas pode ler-se: "Por causa das declarações infelizes do Sr. Presidente da República. Fomos muito mais de 400. Muitos calámos, por medo, vergonha, por ter sido há tanto tempo… Mas não esquecemos e nunca esqueceremos" ou "Por revolta. A coisa já andava mal, agora de ontem com o Marcelo a falar, deu uma revolta que não sei explicar. Achava que não valia a pena falar, pois já muitos tinham falado por minha vez, mas assim não dá, é uma revolta que não se explica".
"Por o PR ter dito aquelas aberrações" e "O que é que me faz hoje enviar este relato: a polémica que se gerou a propósito do relatório sobre ao assunto e das declarações do Presidente da República. Afinal acho que há muitos mais casos do que os 400 e picos desse relatório", são outras das declarações citadas.
De acordo com o relatório, a criação da comissão, considerada "segura e credível", e a comunicação social, com destaque para a televisão, foram "fundamentais na tomada de decisão individual para testemunhar".
A Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica recebeu 512 testemunhos validados relativos a 4.815 vítimas desde que iniciou funções em janeiro de 2022.
De entre os 512 testemunhos validados, 25 casos foram enviados para o Ministério Público.
Os casos de abusos sexuais revelados ao longo de 2022 abalaram a Igreja e a própria sociedade portuguesa, à imagem do que tinha ocorrido com iniciativas similares em outros países.
Lusa