A professora da Universidade de Lisboa e especialista em imigração Ana Rita Gil manifestou-se hoje contra "o desmantelamento do SEF" e considerou "um erro" Portugal deixar de ter uma polícia de fronteira, tendo em conta a sensibilidade destes locais.
"Sou contra a reestruturação do SEF e não a compreendo", disse a docente na Faculdade de Direito de Lisboa, relatora para a Comissão e Parlamento Europeu sobre migrações e ex-consultora da Provedoria de Justiça na conferência organizada pelo sindicato que representa os inspetores do Serviço de Estrangeiros, quando faltam cerca de quatro meses para a extinção deste serviço.
Ana Rita Gil, que na Provedoria de Justiça acompanhava os centros de instalação temporária do SEF para imigrantes nos aeroportos, considerou que "há uma parte bem-intencionada" na reestruturação do SEF, nomeadamente a separação das funções de polícia de fronteira e das questões de asilo e migrações.
"Em termos teóricos, ponderando o que se passava lá fora, pode ser uma boa solução. Agora isso não tinha que acarretar o desmantelamento do SEF. Seria interessante uma autonomização para não existir uma contaminação e o polícia não ser o mesmo que analisa os pedidos de asilo", disse.
No entanto, sustentou que a criação de uma agência específica para as migrações não significava que se devia acabar com a polícia de fronteiras.
"Muito pelo contrário, o normal é haver especialização de polícias de fronteiras, até já se fala em tribunais de fronteiras", frisou, lamentando que se termine "com a especialização e se vá para a generalização" ao se "entregar competências muito específicas às polícias com competências genéricas", o que "levanta muitos problemas".
A docente salientou que o SEF precisava de formação, especialização e sobretudo de investimento.
A especialista explicou que os centros de instalação temporária nos aeroportos são "sítios muito sensíveis que vão passar a estar entregues a polícias com competência genérica", designadamente a PSP.
"É aqui que eu me preocupo, porque a polícia de fronteira em todo o mundo é uma policia que tem de proceder a ponderações muito sensíveis, que não as perturbações de ordem pública normal", realçou, dando conta que nestes locais há pessoais que chegam à procura de asilo, menores não acompanhados e casos de tráfico de seres humanos.
Ana Rita Gil sustentou que a nova lei "ainda não dá resposta como vai ser feita esta gestão nas fronteiras".
A docente avançou também que, desde 2015, que o SEF tem sido "confrontado com uma quantidade de desafios que foram esmagadores", como o aumento da população estrangeira, que mais do que duplicou em Portugal, de pedidos de asilo, imigração ilegal e "aumento exponencial da criminalidade conexa", como tráfico de seres humanos, além da União Europeia continuar a produzir títulos novos de residência.
"Foi exigido ao SEF um esforço enorme de adaptação e aumento de trabalho", lamentou.
Sobre a integração do Alto Comissariado para as Migrações (ACM) na Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA), Ana Rita Gil também manifestou dúvidas, porque Portugal é visto, a nível internacional, como "um caso de exemplo por ter um mecanismo, que era o ACM, exclusivamente dedicado à integração e estava completamente separado das entidades decisoras".
"Era visto como algo bom e Portugal vai perder este exemplo", disse a relatora para a Comissão e Parlamento Europeu sobre migrações.
O Sindicato da Carreira de Investigação e Fiscalização do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras organizou hoje ao longo do dia a conferência com o tema "a nova arquitetura do Sistema de Segurança Interna e a reafetação das competências do SEF", aquele que foi o último ato oficial desta estrutura antes do fim do SEF.
O processo de extinção do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras vai concretizar-se no final de outubro, passando as competências policiais do SEF para a PSP, GNR e PJ, enquanto as funções em matéria administrativa relacionadas com os cidadãos estrangeiros vão para a nova Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA) e Instituto de Registo e Notariado (IRN).
No âmbito deste processo passa também a existir uma nova configuração do sistema português de controlo de fronteiras ao ser criada a Unidade de Coordenação de Fronteiras e Estrangeiros, que vai funcionar sob a alçada do secretário-geral do Sistema de Segurança Interna.
O regime de transição de trabalhadores do SEF estabelece que os inspetores vão ser transferidos para a PJ e os funcionários não policiais para a futura agência e IRN, existindo "um regime de afetação funcional transitória", que permite aos inspetores do SEF exercerem funções, durante dois anos, na GNR e na PSP nos postos de fronteira aérea e marítima.
Os inspetores do SEF que atualmente estão em categorias superiores podem ainda desempenhar funções na Autoridade Tributária e na AIMA ao abrigo do "regime de afetação funcional transitória".
Lusa