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Emigrantes revoltados, desamparados e injustiçados

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Data de publicação
31 Março 2021
11:31

O anúncio do encerramento do Escritório de Representação do Millennium bcp em Caracas deixou em polvorosa a comunidade portuguesa que lá reside. O episódio vem engrossar o historial de ‘abandono’ da Banca Portuguesa na Venezuela.Longe vão os tempos em que os recursos económicos abundavam na Venezuela, alturas essas que cativaram a Banca Portuguesa a ‘deslocar-se’ para terras de Simón Bolívar e aliciar muitos dos 500.000 portugueses e lusodescendentes. Atualmente, o país vive momentos delicados, de algumas dificuldades, e a ‘fuga’ da Banca Portuguesa do país tem vindo a consumar-se ao longo do tempo.

Recordando um episódio mais recente, em agosto de 2017, o Banco Português de Investimento (BPI) fechava a porta em Caracas e deixava os emigrantes incomodados com a decisão tomada pela direção do banco.

“Por questões operacionais, o escritório está encerrado momentaneamente. Pode contactar o seu gestor de conta na sua sucursal em Portugal ou, caso prefira, enviar um email com os seus dados pessoais para bancobpi@mail.bancobpi.pt solicitando que o seu gestor de conta em Portugal entre em contacto consigo”, era a explicação dada na altura.

Agora, é a vez de o Millennium bcp também o fazer.

A ‘machadada’ veio isolar uma comunidade que se sente injustiçada e esquecida.

“Para nós, comunidade aqui na Venezuela, é triste a notícia. Lamentavelmente não é a primeira, já temos outros casos como o do BPI, o que se passou com o caso do Banif igualmente, que passou para as mãos do Totta, onde mantêm uma pessoa cá no escritório, mas não têm a capacidade de atendimento visto a situação atual de pandemia”, lamentou José Luís Ferreira, dirigente associativo em Caracas.

“Demonstração de desprezo”

Para o dirigente, esta é, “uma vez

mais, uma demonstração do desprezo, digamos, da antipatia que a banca tem com as comunidades. É muito triste, aproveitam-se em determinados momentos mas nos de dificuldades abandonam as comunidades”.

“Parte da culpa é do Governo por permitir este tipo de ações e não se preocupar com as comunidades que tanto têm dado a Portugal. Com estas atitudes temos de pensar muito se devemos acreditar na banca portuguesa porque creio que muitos já estão a dar a volta, a acreditar mais noutros bancos do que nos portugueses”, explicou.

José Luís Ferreira vai mais longe. “É um sinal de discriminação, não tenho dúvida, e a comunidade acho que pensa da mesma forma. Não temos dúvidas sobre isso porque a prova está à vista e oxalá que o Millennium, embora o caso seja diferente do BES e do Banif, procure uma solução de futuro”, disse.

O dirigente acredita que “a pandemia não vai durar toda a vida” e aí pensa “que quem acredita em nós são os que vão levar a vantagem”.

“Neste caso ficamos cá só com a Caixa Geral que é o único que tem escritório de representação e de atendimento local, embora o Millennium anunciou que até ao mês de junho ou julho terá dois funcionários com atendimento direto ou via telefónica, mas isto não é solução, a verdade é que já disseram que se retiravam e essa é a grande realidade que temos de enfrentar”, lastimou.

José Luís Ferreira espera que esta situação sirva de experiência “para que a diáspora abra os olhos e o Governo retifique muitas decisões em relação à diáspora ao nível mundial”.

Em relação ao encerramento, Fernando Campos, conselheiro das comunidades madeirenses na Venezuela, admite que nos dias de hoje “as pessoas cada vez necessitam menos de uma atenção bancária”.

Mas se contextualizarmos a situação “a uma comunidade tão grande que existe na Venezuela, com certeza que é uma ação que, neste momento, é lamentável”.

“Aquela comunidade portuguesa de maior idade, que foram pessoas que chegaram à Venezuela há muitos anos, que eram pessoas com um nível académico muito limitado, vão ser os mais afetados com este encerramento”, realça. Para o conselheiro, a sensação é a de abandono, que sente particularmente. “A comunidade na Venezuela é sensível a este tipo de coisas. É um choque”, descreve.

Para Fernando Campos, a questão essencial não é a se afetará, ou não, verdadeiramente a comunidade “mas mais uma questão de ética e de sensação de abandono”.

A Caixa Geral de Depósitos passará a ser o único banco português na capital venezuelana, mas para o conselheiro apenas se mantém devido “ao compromisso com a nossa comunidade de se manter aqui, ou seja, é igual que a TAP, dizer à TAP que não voasse mais para a Venezuela, penso que aí a nossa comunidade ia crucificar o Estado”.

Remessas: balão de oxigénio

O conselheiro relembra “as remessas e os depósitos da comunidade portuguesa na Venezuela, e especialmente da comunidade madeirense”, que foi “naquele momento um balão de oxigénio para a economia local [portuguesa]”.

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“São coisas que não se podem esquecer”, recordou.

“Nós agora estamos numa situação muito em baixo, mas acredito que a recuperação do país vai acontecer. Nesse momento, espero sinceramente que a comunidade portuguesa utilize o poder que realmente tem, depois também tenha a capacidade de passar alguma fatura. Não podemos baixar a cabeça e aceitar as coisas sempre dessa maneira”, afiançou.

Fernando Campos recorda a força que as comunidades têm e que poderá ser bem utilizada nas urnas, oferecendo “uma palavra importante a dizer em certas eleições no nosso País”.

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País não ajuda

Sara Freitas, presidente da Associação de Emigrantes Lesados da Venezuela e África do Sul, tem outra perspetiva perante a decisão tomada pelo Millennium, defendendo que a mesma é consequência da situação que a Venezuela vive atualmente.

“A operação na Venezuela há muito tempo que não é rentável, a pandemia veio piorá-la. Tirar dinheiro da Venezuela é praticamente proibido. Temos um mercado muito, muito difícil”.

Para Sara Freitas, “não é fácil para um banco suportar a situação que se vive no país”.

Já Rui Abreu, diretor regional das Comunidades e Cooperação Externa, considera que o encerramento é resultado do país, mas apesar disso aponta outro problema. “Acho que há outro problema que as comunidades na Venezuela e África do Sul têm, que é a perda da confiança na banca portuguesa devido aos casos que aconteceram no BES e no Banif”, lançou.

O diretor regional lembra que “estamos há anos e anos nisto, com avanços, recuos, reuniões manifestações, com promessas do Estado, através do Governo da República. Tudo isto mina a confiança no sistema financeiro junto dos emigrantes que aplicaram mesmo a totalidade das poupanças das suas vidas e hoje passam por grandes dificuldades. Acho que estas pessoas mereciam uma atenção por parte do Governo da República”, realça.

Rui Abreu não deixa esquecer que já em dezembro de 2019 “terá ficado concluído o relatório final que ia permitir a criação do fundo de recuperação de créditos junto da CMVM. Isto foi em dezembro de 2019. Estamos em 2021 e aparentemente falta apenas a garantia soberana do Governo da República, mas não está resolvido”, lamentou.

Após estas decisões, a Caixa Geral de Depósitos (CGD) passa a ficar como única entidade financeira portuguesa em Caracas.

A 21 de junho, conforme noticiado pelo JM, o representante do banco no país referiu que a CGD, “como maior banco português, faz questão de estar presente onde os seus clientes estão”. À data, Damas Branco garantiu ainda que o banco português ia continuar a prestar “um apoio próximo e permanente” aos emigrantes e após “144 anos de história, o Grupo CGD é o que apresenta maior presença internacional de entre os bancos portugueses. Atualmente, a rede internacional do Grupo é formada por Bancos, Sucursais e Escritórios de Representação”.

O JM sabe que a presença da CGD em terras de Símon Bolívar está para durar e que, como referido à data da entrevista prestada ao JM, o banco “pretende com a sua abordagem internacional prestar um apoio próximo e permanente, na tradição da CGD de transparência, confiança, rigor e segurança a que os portugueses se habituaram”, atributos estes que segundo o próprio “são bem

conhe

cidos dos nossos clientes”.

Por Marco Sousa

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