É isto

Sentada numa esplanada, a tomar um café, observava distraída as pessoas anónimas que passavam na rua, para cima e para baixo. De repente dei por mim a dizer com convicção: “É isto.” Ele, muito confuso, balbuciou um “Como assim?” que eu ignorei, mergulhada no meu pensamento. Na verdade, tem sido um pensamento que me percorre a mente e o espírito com alguma frequência. Um pensamento muito simples, que surpreendentemente não deixa qualquer rasto de angústia.

A nossa vida não passa disto. Isto que temos aqui, desde o dia em que nascemos. O dia a dia, a rotina. A continuidade e os momentos de rotura. O enfadonho e o inesperado. O crescimento e envelhecimento. As pessoas com quem interagimos. Os ganhos e as perdas. O profundo e o superficial. A saúde e a doença. O trabalho e o tempo livre. Os almoços, os jantares. Os passeios e os mergulhos no mar. O campo e a cidade. O dia inteiro à frente do computador. As horas a olhar para o telemóvel. A música, a televisão, o cinema. A arte. O trânsito. A família, os amigos e os colegas de trabalho. Os conhecidos e os desconhecidos. O sofrimento. O amor. A felicidade. O bom, o mau, o neutro. O tempo a passar.

“Tudo se resume a isto”, insisti. Nascemos, vivemos, morremos. E é isto, não passa disto. Porém, temos um medo enorme que a nossa existência seja apenas esta e agarramo-nos à ideia que tem de haver algo mais do que isto. Queremos que não acabe aqui, que a morte não seja o fim de nós. Queremos que haja um Ser Superior que cuide de nós, que olhe por nós, para nós, que nos veja como especiais e únicos.

O meu namorado é ateu. Diz que acredita apenas na biologia material e imaterial, o que basicamente significa que não acredita em nada que a ciência não explique. Mas o que me fascina é que, apesar disso, ou talvez precisamente por causa disso, irradia uma infinita espiritualidade e imensidão. Vive muito tranquilo no presente sem temer o futuro, não sente a inquietação que sinto por não conhecer o insondável. Acredita nas pessoas, na vida, e reconhece a morte como uma inevitabilidade natural. Não espera que haja mais qualquer coisa quando a vida acaba e mergulhamos no abismo do nada. Nessa altura já não sentimos, já não pensamos, já não somos.

Eu, no entanto, não tenho por ora qualquer certeza. Gostava muito de ter em mim a crença que vejo em tanta gente que sabe que a morte não é o fim. Mas não sei se isto que temos e vivemos agora é tudo o que existe ou se haverá uma outra dimensão e um outro tempo – a eternidade. Questiono-me muitas vezes se o criador não serei eu, e Deus a criatura. Porém, lembro-me repetidamente que não é possível conhecer sem duvidar. A dúvida pode ser apenas mais um passo até à revelação final.

Sei que os limites do pensamento, da linguagem, são os limites do nosso mundo. Talvez seja apenas por isso que sinto que a eternidade não existe para nenhum ser, nem para o mundo em si. Talvez apenas por isso sinta amiúde que tudo se resume a isto. De qualquer modo sei que está tudo certo, tal como é. Sei também que isto é já tanto.