Tempo para conhecer
“A Princesa portou-se muito bem. É de facto uma criança muito especial”. Recebi esta mensagem no telemóvel, enviada pelo meu ex-marido numa segunda-feira, em jeito de balanço da viagem que havia feito na semana anterior com a nossa filha. Fiquei a olhar para a mensagem e deixei passar alguns minutos até lhe responder: “É sim!”
Durante esses minutos fiquei a reler a mensagem e a pensar como aquelas palavras me soavam a descoberta e isso era tão inusitado. A nossa filha tem dez anos, passa desde os dois anos três noites durante a semana e um dia inteiro ao fim de semana em casa do pai. Não obstante, sempre concordámos que era importante termos ambos a possibilidade de fazer parte da sua vida todos os dias e nunca colocámos qualquer entrave às trocas de dias que, por vezes, se impõem. No entanto, apesar da sua presença praticamente diária como pai, foi preciso passar uma semana muito próximo da filha, para sentir como ela é uma criança muito especial.
À hora do almoço contei à minha filha que o pai me tinha enviado esta mensagem. E ela comentou, despreocupadamente: “Isso é porque estivemos muito tempo juntos, fizemos programas só nós os dois.”
Nós as duas conversamos muito e, independente dos caminhos que a minha vida vai levando, em termos pessoais e profissionais, arranjo sempre tempo só para ela. Jantamos muitas vezes apenas as duas, vamos ao cinema, fazemos sessões de compras no centro comercial, passeamos, viajamos, enroscamo-nos no sofá a ver filmes e séries. Desde que me divorciei do seu pai instituí a tradição dos nossos programas de sexta-feira, que foram variando consoante a sua idade e interesses, mas que sempre, garantidamente, foram programas apenas para nós as duas.
Orgulho-me de saber os nomes dos seus professores, dos seus colegas, das suas paixonetas, das suas amigas e da melhor amiga (que vai flutuando ao longo do ano). Conheço os seus momentos felizes e conheço também os momentos em que se sentiu triste. Sei que palavras a feriram, sei que acontecimentos a deixaram desconfortável, sei o que a fez chorar. Sei quando se alegra e sei quando sofre. Sei como pensa e como sente. Adivinho o seu querer, antecipo as suas reações. Não sei se será sempre assim, mas neste momento acredito que a conheço muito bem.
Com o pai, que é um pai fantástico - que ninguém jamais duvide disso - muito presente no seu dia a dia, carinhoso e atento, para quem a filha é a maior riqueza que possui, as coisas às vezes parecem-me um pouco diferentes. Estou consciente que corro o risco de parecer demasiado redutora e leviana neste meu juízo, mas às vezes penso que os pais amam os filhos de um modo distinto do modo de amar das mães. E relacionam-se com os filhos de forma um pouco diversa.
Lembro-me de, algumas semanas após a nossa filha ter nascido, ele me ter dito: “Amo-a cada vez mais, a cada dia que passa. Hoje ainda mais do que ontem.”
Eu tive alguma dificuldade em perceber o que me dizia. O meu amor por ela era tão enorme, transbordante, desde o primeiro momento que a senti em mim, antes mesmo de ela ter nascido e de eu a ter visto, que ouvir aquilo me soou muito estranho.
Na altura, ao comentar com uma amiga o que o meu marido me tinha dito, ela explicou-me que os homens precisam de tempo com os filhos para que o seu amor por eles cresça e fortaleça. Não é algo tão natural e inato como para nós mães. Neles é uma relação que se constrói depois do nascimento, dia após dia, daí que as mães devam levar muito a sério o seu dever de estimular a vinculação dos pais com os filhos, incentivando-os a passarem mais tempo sós.
Daí a pouco enviei nova mensagem ao pai da minha filha: “Sim, a nossa filha é uma criança muito especial. E quanto mais tempo lhe deres, deres a ambos, mais oportunidade vão ter de se conhecer.”