As mulheres não brincam
“Mas o que é isso? O que estás a fazer?” - Pergunto inúmeras vezes ao meu amor. “Estou a brincar!”- Responde-me ele a rir.
E assim vive ele, dedilhando sobre a minha pele, caminhando de braços abertos em cima de um muro qualquer, fazendo acrobacias com as laranjas lá de casa, lançando calhaus na praia para testar a pontaria, concebendo armadilhas com erva balanco para apanhar lagartixas, passando por detrás de mim, para cá e para lá, fazendo palhaçadas enquanto eu escovo o cabelo ao espelho, construindo uma joeira colorida numa longa tarde de domingo.
Eu, pelo meu lado, tento manter-me séria, mas não consigo. Então desmancho-me a rir, pedindo que pare e dizendo “que tontice” e “que disparate”, enquanto abano a cabeça e reviro os olhos. Ele, desapontado, vai ripostando “tu não sabes brincar”.
Há dias íamos no carro e avistámos um senhor no passeio, já de cabelos brancos, a passar pelo portão de uma casa. O senhor parou no portão para ladrar ao cão que estava do outro lado, atiçando-o enquanto se ria. Parecia um autêntico miúdo. “Vês? O velhote está a brincar!”- Disse-me o meu namorado. “Os homens nunca deixam de brincar. Vocês, mulheres, é que ficam sérias mal deixam de ser crianças.”
Fiquei a pensar como ele tem razão. Tem toda a razão. Eu já não sei brincar. Algures, no meu processo de crescimento, quando deixei de ser menina e me tornei mulher, perdi o instinto de brincar.
Ele, pelo contrário, mantém bem vincado o seu lado de criança. É algo que faz parte do seu ser. Parece-me deliciosa aquela meninice quase fora de contexto, atendendo a que tem já alguns cabelos brancos e uma farta barba grisalha que lhe dá um ar sério e maduro. Mas a sobriedade está-lhe apenas na aparência, porque do alto dos seus cinquenta anos ele salta, gesticula como um louco, graceja, provoca-me, farta-se de brincar.
Faz-me recordar o meu avô materno que passava a vida a gracejar, a lançar piadas que faziam todos à volta se perderem em risos. Foi o avô Manuílha que ensinou os netos a nadar no mar do Galo. Fazia papagaios de papel artesanais e lançava-os connosco no quintal de casa, trazia-nos doces recheados de licor na Páscoa. Era célebre entre a família e os amigos o cumprimento que fazia questão de dizer em voz bem alta a uma cliente inglesa, mal esta aparecia à porta do Banco onde trabalhava: “Welcome Mrs. Foda! Please come in!”
“Sabes porque é que as mulheres não brincam?” - Digo eu ao meu amor. “Porque alguém tem de cuidar dos homens e das crianças, para que possam brincar.” E ele concorda comigo, pois claro, porque os homens inteligentes sabem que não devem contrariar as mulheres que amam.
Mas no fundo ambos sabemos que é uma pena as mulheres se perderem da magia da infância. Os homens mantêm os carrinhos que tinham e continuam a jogar à bola com os amigos pela vida fora. Nós, mulheres, livramo-nos das bonecas e deixamos de brincar.
Convencemo-nos que, face ao fardo da responsabilidade que carregamos, não há tempo para brincadeiras. Não percebemos que todas as coisas sérias que fazemos ao longo da vida seriam muito mais fáceis de suportar se nos rendêssemos à criança que temos ainda em nós, debaixo da nossa aparência circunspecta.