20:27

Na semana passada a minha filha fez dez anos. Todos os anos, por esta data, ela pergunta-me como foi o dia em que nasceu e eu volto a contar a nossa história.

A minha gravidez decorreu com toda a normalidade até que, aos seis meses de gestação, comecei a ter contrações e fui hospitalizada, em risco de ter a minha bebé prematuramente. Após alguns dias de internamento e muito descanso as contrações estabilizaram. Fui então para casa e estive deitada numa cama durante dois meses, a rezar para que o tempo passasse e atingisse rapidamente o número de semanas de gestação em que o seu nascimento já não seria problemático. Ouvimos música, vimos alguns filmes e lemos muitos livros. Conversámos imenso. Também comemos muitos chocolates.

Depois, quando chegou o dia em que ela já podia nascer sem perigo, fui autorizada a sair da cama e fazer uma vida normal, mas estranhamente ela não dava sinais de querer nascer. Eu apanhei o maior susto da minha vida porque ela queria nascer muito antes do tempo, mas quando chegou ao tempo certo ela amuou e deixou-se ficar bem aninhada dentro de mim. Não saía por nada.

Assim, tivemos de agendar um dia para me induzirem o parto. A médica estaria de serviço no hospital no dia 31 de julho, por isso foi esta a data escolhida. Fui para lá bem cedo. Não estava nervosa, tinha a certeza que correria tudo bem. Sentia dentro de mim uma enorme serenidade e segurança. Era o dia em que nos veríamos pela primeira vez.

Logo que cheguei ao hospital medicaram-me para induzir o parto. Apesar de ter começado com contrações fortíssimas ela nunca se decidia a nascer e eu não entrava em trabalho de parto. Estivemos neste impasse todo o dia. Os médicos a tentarem tudo por tudo para que ela nascesse, mas ela, teimosa, não nascia. Até que, já no final da tarde, vieram dizer-me que as máquinas registavam algumas alterações nos seus sinais vitais, pelo que me aconselhavam fazer o quanto antes uma cesariana.

Fui levada para a sala de cirurgia e pouco depois tiraram de dentro de mim uma menina linda, rechonchuda e perfeita, coberta por uma substância esbranquiçada. Lembro-me de olhar o seu rosto e achá-la muito parecida comigo - foi só naquele momento, pois reconheço que fisicamente apenas temos de igual os pés e a covinha no queixo – enquanto ela me olhava a piscar muito os olhos, com uma expressão de espanto, admirada por me ver. Colocaram-na por alguns segundos no meu peito e dei-lhe um beijo de boas vindas na cabecinha, com todo o amor que carreguei durante nove meses no coração.

Depois levaram-na para ser observada pelo pediatra, que fez todos os testes habituais e lhe deu nota máxima na escala. Finalmente vestiram-na com a roupinha que eu tinha preparado para esse dia e foram apresentá-la ao pai, que aguardava ansiosamente à porta do bloco operatório, e à avó materna, que com ela partilha o nome de uma bela flor.

Em momento algum ela chorou. Nunca chorou. Devia estar assustada com todos os sons novos que ouvia, a claridade da luz que a fazia piscar os olhos, a temperatura fria do bloco operatório, mas não chorou. E eu digo-lhe que isso revelou desde logo que ela sabia que nascia para ser feliz. Por mais acolhedor e agradável que fosse o meu útero, ela sabia que o mundo cá fora lhe reservava uma vida de alegria.

Eram 20:27. E a nossa aventura começou.