Na hora da despedida

Escrevo esta crónica a bordo de um avião rumo a Lisboa, tendo como destino final Coimbra. Regresso agora à cidade onde vivi durante cerca de cinco anos e meio, onde estudei Direito e fiz a primeira fase do estágio de advocacia, onde deixei a inconsequência da adolescência e me transformei em mulher adulta. Regresso, após dezoito longos anos, para fazer um breve curso de especialização. Regresso muito diferente de quem era no dia em que de lá parti, carregada de sonhos e projetos, pronta para aplicar tudo o que aprendi e ajudar a mudar o mundo.

​Olho pela janela pequena à minha esquerda e fico a contemplar o céu azul. Recordo-me então do dia em que cheguei a Coimbra, em Outubro de 1993. Cheguei muito assustada, consciente que estava por minha conta e que tudo o que ia viver a partir dali mudaria a minha vida para sempre. Nada seria fácil.

Nunca estive sozinha em Coimbra, pois vivi lá com os meus irmãos e uma prima, uma vez que os nossos períodos de estudo foram coincidindo durante alguns anos. Também tive sempre por lá a companhia preciosa de um grande amigo da Madeira, tendo a nossa amizade se fortalecido ainda mais nos anos em que vivemos em Coimbra, partilhando alegrias e tristezas, medos e angústias, loucuras e responsabilidades.

No entanto, acho que nunca me senti tão sozinha e deslocada em toda a minha vida como nos meus primeiros meses de Coimbra. Aquela não era ainda a minha cidade. Aquelas não eram as minhas ruas, aqueles não eram os meus jardins, aqueles não eram os meus cheiros, aquele não era o meu céu, aquela não era a minha gente. E, sobretudo, o Mondego, apesar de belo, em nada se assemelhava ao meu mar. Sempre me senti sufocada pela ausência do mar da Madeira, desta imensidão de água que me apazigua, purifica e liberta.

Os primeiros tempos de Coimbra foram duros e difíceis. Foi o tempo do corte do cordão umbilical, das saudades incessantes da minha mãe, do meu pai e da minha querida avó Isabel, da perceção que já não tinha por perto a rede que sempre amparou as minhas quedas. Foi o tempo da adaptação a uma linguagem técnica difícil, a manuais e sebentas de mil páginas, a uma distância e austeridade dos professores a que não estava habituada.

E depois Coimbra era fria, na verdade muito fria, gélida. No inverno era preciso usar casacos quentes, luvas e cachecóis, mesmo dentro das salas de aula da Faculdade de Direito. A minha pele ficou com frieiras até que se habituasse ao frio cortante. Por outro lado, era muito quente no verão, abrasadora, sufocante, e nessa altura sabia bem o fresquinho dos claustros da Faculdade. Em ambas as estações a noite trazia muitas vezes uma bruma estranha, carregada de mistério e incerteza, que se entranhava nos ossos e deixava na alma uma sensação de melancolia.

Mas Coimbra foi uma cidade absolutamente crucial para que me tornasse em quem hoje sou. Foi lá que aprendi a lidar sozinha com os meus próprios problemas, a ser forte, a levantar-me após cada queda. Foi lá que aprendi o valor da amizade, como só sobrevivemos às agruras da vida cuidando e tratando das feridas uns dos outros, chorando juntos, sendo o abraço nas horas de maior solidão. Aprendi também o significado da palavra saudade.

Coimbra é uma lição e eventualmente acabou por se fazer minha. Regresso agora à minha cidade, que tem hoje outros protagonistas. Regresso a Coimbra, cidade que me transformou.