Os primeiros voos

A minha filha faz dez anos daqui a dois meses. Confesso que ainda a vejo como uma criança pequenina, que precisa de muita proteção, atenção e carinho. Continuo a senti-la como a minha bebé. Não há muito tempo conseguia pegá-la ao colo, dava-lhe comida na boca a cantarolar músicas para a distrair, dava-lhe banho, escolhia a sua roupa e vestia-a, adormecia-a todas as noites contando uma história de embalar.

Mas, de um dia para o outro, vejo-a a estender as asas e a tentar os primeiros voos. E, instintivamente, só me apetece agarrá-la com muita força contra mim, para que não caia.

Sempre pensei que a adolescência chegaria apenas daqui a alguns anos. Não era algo que me preocupasse para já. Mas, de repente, apercebi-me que está aí à porta. Como é possível?! Parece-me demasiado prematuro, ninguém me avisou que chegaria tão depressa e tão cedo. Não tive tempo para me preparar para este momento e acho que não sei ainda como viver sem a minha pequenina.

Agora dou por mim a viver em permanente estado de saudade. Sinto muito a sua falta, pois mesmo quando está comigo é como se estivesse ausente e longe. Não ouve as perguntas que lhe faço, não responde, ou quando responde é num tom distraído e impaciente. Reparo, muitas vezes, que não se lembra de me contar informação relevante, que apenas vou descobrindo através de conversas paralelas com outras pessoas. Parece estar agora a embrenhar-se num mundo onde a mãe não entra quando quer.

Para mim sobra uma certa rebeldia e afastamento e um insuportável revirar de olhos. Ficam ainda algumas respostas ariscas, exasperadas, em tom irritadiço. Ficam os inúmeros “chata” entre sorrisos condescendentes, quando me atrevo a fazer demasiadas perguntas.

Pede-me agora que tire o cor-de-rosa que ainda predomina na decoração do seu quarto. Já não brinca com bonecas, nem admite abraços, beijos, mãos dadas ou qualquer outra manifestação de carinho em público.

Ainda não tem telemóvel próprio e, por enquanto, não me fala em redes sociais como facebook, instagram, twitter e snapchat, que, aliás, eu não compreendo, por mais que me tentem explicar a sua utilidade e propósito, porém já começo a adivinhar a turbulência que se desenha no horizonte. Anda sempre agarrada ao meu telemóvel, absorta num mundo de pequenos vídeos de danças e coreografias e de youtubers de que não consigo fixar os nomes.

Passado este choque inicial, vou-me esforçando muito por manter a calma e controlar o meu ímpeto de beijoqueira e lamechas, para não ser apelidada de “melga”.

Agora apenas me resta conseguir encontrar uma forma de ser uma mãe ao mesmo tempo responsável e cúmplice nesta fase da sua vida que inevitavelmente se inicia. Ser uma mãe confidente, que orienta os seus passos e aconselha, sem cair na tentação de ser julgadora.

Entretanto vou aproveitando os últimos resquícios da sua infância e recebo de bom grado todo o tempo que ainda quer passar comigo. E, claro, abro-lhe sempre com alegria os lençóis a meio da noite, quando vem para se aninhar comigo na minha cama, de todas as vezes que precisa do meu calor.