A verdadeira história do japonês

A minha avó contou-me, quando eu era pequenina, a história do japonês. Foi uma daquelas histórias contadas à noite para me adormecer, num tom de voz muito baixo, quase em sussurro. Assim como se fosse um grande segredo que revelava, noite após noite.

Não sei se esta história aconteceu na realidade, ou não, mas sempre me pareceu fazer parte daquele universo de histórias tão fantásticas e assombrosas, tão fantasiosas e imaginárias, que só podem ter sido reais.

Certo dia apareceu, nas zonas altas do Funchal, um japonês. Era um homem de meia-idade, alto, robusto, imponente, de olhos rasgados e cabelo escuro comprido apanhado num carrapito no alto da cabeça. O seu olhar era sério, mas emanava uma natural simpatia, mesmo que raramente o tenham visto a sorrir. Tinha dado a volta ao mundo, percorrendo os quatro cantos que o compõem, em busca da cura para o ar mau que o fustigava.

Foi então que, numa terra muito longínqua, ouviu um homem muito velho falar numa ilha mágica, no outro lado do mundo. A ilha das bananeiras, onde o mar é de um azul-escuro profundo e o céu se esconde atrás de densas nuvens. A ilha em que se sente frio quando está calor e calor quando está frio e onde o som que mais se ouve é o rugir da água nas ribeiras e o rolar dos calhaus à beira-mar. A ilha onde quem procura encontra e onde o que se sonha acontece.

Fascinado com as palavras do sábio, o japonês veio para cá. Andou a percorrer toda a ilha, em busca das respostas que tanto ansiava, da beleza que deixara de conseguir ver, da serenidade que o abandonara. Em busca da única coisa que poderia fazê-lo livrar-se do mal que carregava em si.

Até que, num desses seus passeios, chegou ao entardecer a uma terra desenhada a poios, pintada de verde, rasgada por ribeiras cheias de lodo e sapos a coaxar, com algumas casas ladeadas por muros de pedra, muitas árvores de fruto e ameixoeiras em flor. Ai as ameixoeiras em flor, que cenário deslumbrante! As árvores carregadas de flores brancas miudinhas, com uma ligeira tonalidade rosa no centro, a exalar um perfume intenso, mas doce. Fê-lo lembrar-se do seu amado Japão. Soube, então, que tinha chegado ao lugar onde o passado estende o passadiço para o futuro.

Andou a deambular por ali até que encontrou um palheiro onde passou a pernoitar. Aquele local, longe de tudo o que é supérfluo, fê-lo sentir-se feliz. Tão feliz como há muito não se sentia.

“Onde não há quase nada, somos sempre mais”, pensou.

Naquela ocasião viu passar uma jovem trigueira, descalça, de baixa estatura e longos cabelos castanhos aos caracóis. Vinha a saltitar entre os poios, livre e alegre, com um sorriso aberto e verdadeiro. Ela parou abruptamente, tão encantada quanto assustada, quando o viu. Olharam-se com espanto mútuo e ele fez-lhe uma vénia.

Ele soltou do peito, então, um grunhido forte, que carregava consigo toda a certeza de ter chegado a casa. Era o grito do guerreiro que celebra a vitória alcançada.

Ela começou a passar todos os dias por ali à mesma hora.

Dizem, nas zonas altas da cidade, que um rapazinho que andava a caçar lagartixas encontrou a dada altura o corpo estendido do japonês junto a uma levada. Teria morrido ao cair do muro abaixo, quando se sentou a amparar a embriaguez. Mas não foi isso que aconteceu.

Na verdade o japonês continua ainda por ali. É hoje um homem centenário, que vive feliz na companhia da sua trigueira com quem ainda faz amor com a mesma entrega do primeiro dia.

E é esta a sua história, a verdadeira história do japonês que chegou à ilha para se salvar da tristeza e da solidão que o esmagavam.