Como o sol num dia de chuva
Há dias estava a almoçar em casa dos meus pais quando a minha sobrinha mais nova entrou de rompante na sala com uma carinha muito triste. Queixou-se assim à avó acerca do primo: “Ele está a ser mau para mim. Muito mau. Disse-me que eu sou pequena e feia.”
Ela estava mesmo muito triste, seriamente abalada com as palavras do primo.
Ele, por seu lado, nem se deu ao trabalho de se justificar. Sabia que tinha dito aquilo da boca para fora, sem qualquer ponta de convicção. Disse por dizer. Mas o efeito do seu comentário continuava patente no rosto da menina.
E eu, vendo o absurdo daquela tristeza, disse-lhe então: “Mas tu não sabes que és linda? Porque te importas com o que te dizem, se sabes que não é verdade?”
Mas depois logo pensei que nós, adultos, temos muitas vezes a mesma reação daquela criança, que tem apenas 7 anos.
Às vezes, basta uma palavra para nos arrasar. Mesmo que não tenha em si qualquer verdade e nós tenhamos plena consciência disso. Mesmo que dita sem qualquer intenção de magoar. Mesmo que constate um facto de que já temos conhecimento.
Outras vezes basta um simples gesto. Uma expressão de desagrado, um esgar de desprezo, um sinal de enfado. Até mesmo vindos de um desconhecido, de uma pessoa que não nos é nada, que não nos diz nada.
Há em nós uma insegurança latente, perfeitamente escondida lá no fundo do nosso ser, que, de repente, vem ao de cima com apenas um comentário, uma palavra, um gesto. E subitamente ficamos pensativos, em silêncio, mergulhados numa melancolia, num abatimento sem sentido. Sentimo-nos devastados.
A forma como nos deixamos desmoronar por tão pouco, ignorando tudo o que de bom temos e tudo o que de bom nos rodeia, é verdadeiramente incompreensível. De repente, deixamos de acreditar em nós, nas nossas qualidades, na beleza e magia da vida. Tudo o que antes nos parecia positivo, passa a ser escuro e feio. Mergulhamos na crença do nosso desvalor. Cresce em nós uma tristeza vaga e indefinida, mas profunda.
Há tempos li uma frase de um texto em inglês que dizia mais ou menos o seguinte: A vida é 10% o que nos acontece e 90% a forma como reagimos ao que nos acontece.
Nós não podemos controlar tudo o que nos acontece, é certo. Mas podemos controlar a forma como absorvemos e processamos o que nos acontece. Encarar aquilo que ocorre de forma positiva e construtiva está ao nosso alcance, nas nossas mãos. Saber relativizar os acontecimentos, dar-lhes a dimensão que realmente têm, apenas depende de nós.
Quanto a mim, sempre que caio na armadilha de me deixar derrubar por pouco, procuro concentrar-me na beleza que me rodeia. E tento reencontrar a beleza que há em mim. Nesses momentos lembro-me sempre das palavras lindas que a minha filha me disse a certa altura: “O arco-íris aparece com a tua luz, mamã”.
Ter essa capacidade de trazer cor e beleza aos seus dias de chuva é o maior elogio que já me fez. E se ela me vê como luz, quem sou eu para duvidar?