Quero-te livre, meu amor!
Na semana passada li um texto escrito por uma cronista brasileira, intitulado “A incrível geração de mulheres que foi criada para ser tudo o que um homem não quer.” A autora dissertava sobre a nova geração de mulheres que foi estimulada a estudar muito, a dedicar-se ao seu trabalho e a singrar no mundo profissional, a ser independente financeira e emocionalmente. A geração de mulheres que sabe conduzir irrepreensivelmente um automóvel e preencher a sua declaração de IRS, mas que não sabe cozinhar e deixa o arroz queimar no fundo da panela, que é segura de si e não depende de ninguém, que apenas quer descansar no ombro do homem ao final do dia.
E, depois, constatava a dissonância entre esta geração de mulheres criada para ganhar o mundo, incentivada a estudar, trabalhar, viajar e construir a sua independência, e os homens que não foram ensinados, por seu lado, a aceitar plenamente esta liberdade, que ainda procuram nas suas mulheres uma certa fragilidade e dependência, que ainda se veem como o porto seguro onde elas vão ancorar. Estarão os homens preparados para esta geração de parceria e não de dependência? Questionava mesmo: “Quem é seguro o bastante para amar uma mulher que voa?”
Para meu espanto, o meu irmão classificou o texto que eu tinha interpretado como pertinente e atual, de desenquadrado, generalista, redutor. Não concordou com esta necessidade, que apelidou de “feminista”, de questionar nos nossos dias, na nossa sociedade, a aceitação por parte dos homens da liberdade da mulher, da relação de parceria, e pareceu-lhe que o texto abordava ideias antigas, de outra geração, de outros lugares recônditos, de outras culturas mais primitivas. Para ele, os homens de hoje aceitam e admiram a liberdade das mulheres, ficam felizes por elas terem salários mais altos, por irem tomar um copo só com as amigas, por gastarem o dinheiro que ganham da forma que melhor entendem. Fiquei orgulhosa que pense assim. E sei que é assim que educa agora as suas filhas, para serem tudo aquilo que quiserem ser, sem qualquer limitação pela sua condição feminina.
Mas, por outro lado, apercebi-me que o meu irmão não conhece a realidade de muitas e muitas mulheres. Na verdade não é preciso ir muito longe para nos depararmos com homens a quem a liberdade das mulheres incomoda. Homens que ligam de cinco em cinco minutos a perguntar a que horas vão chegar a casa, que têm ciúmes do tempo que passam com as amigas, que implicam com a roupa que escolheram vestir, que se constrangem quando as mulheres estendem o cartão para pagar a refeição, que se angustiam de cada vez que elas progridem na carreira ou tiram mais um curso, porque temem que isso crie um fosso entre eles. Há ainda muitos homens que sonham com uma relação de dependência, com uma mulher de quem possam cuidar. Há ainda muitos homens que têm medo da liberdade das mulheres, que têm medo de as perder de vez se as deixarem voar.
O meu amor, que é o homem mais livre e seguro que conheço, com toda a sua arrebatadora poesia e profundidade, disse-me assim que nos conhecemos: “Quero-te livre, meu amor! Sempre livre. Tão livre como no dia em que te conheci.” Isto, garanto-vos, foi das coisas mais belas e intensas que um homem alguma vez me disse.
Quero muito ensinar à minha filha, que nasceu já no século XXI, que a liberdade é uma difícil conquista das mulheres e que nunca deve ser dada por adquirida. Que há mulheres que lutam diariamente em silêncio para manter a sua liberdade e que há muitas mulheres que ainda não são livres. Que todos os dias, muitas vezes impercetivelmente, essa liberdade é posta em causa. Quero que saiba que a única coisa que não podemos dar de nós aos outros, sob pena de nos perdermos de nós próprios, é a nossa liberdade.
A liberdade é a verdadeira essência do amor. Aquilo que todos queremos para os nossos filhos, sem hesitação. Aquilo que também devemos querer, sempre, para nós.